A decisão do STF proferida na calada da noite da última quinta feira coroou um ano a ser esquecido para aqueles que insistem em respeitar as instituições políticas brasileiras. A anulação da cláusula de barreiras não decretou apenas a manutenção do caos reinante no sistema partidário brasileiro, mas encerrou um ciclo de indecisão e insegurança que caracterizou toda a gestão judiciária das eleições deste ano e serve de mau agouro para a reforma política que é pretendida para 2007.
Tornou-se lugar comum classificar a atual legislatura do Congresso Nacional como a pior de toda a história republicana. Talvez seja o caso de afirmar a mesma coisa sobre a gestão do TSE e do STF das eleições de 2006. O principal motivo de tanta decepção foi a ausência absoluta de critérios para a interpretação das regras eleitorais. Por exemplo, quando o Congresso promulgou a Emenda Constitucional que extinguia a verticalização, o judiciário afirmou que a mudança havia sido feita fora do prazo regulamentar (menos de 1 ano do próximo pleito) e retardou os seus efeitos para 2010. Logo depois, o Congresso aprovou a lei que ficou conhecida como “mini-reforma” eleitoral, que mudava regras de doação de campanha, proibindo a realização de “shows-mícios” e a distribuição de brindes, dentre outras coisas. Entretanto, dessa vez nossos ministros togados decidiram que algumas medidas valeriam já para outubro, apesar do período mínimo exigido pela legislação vigente já ter se esgotado.
Deve-se lembrar que a utilização de critérios diferentes para julgar casos semelhantes provoca insegurança jurídica. Este sentimento pode ser fatal para a própria democracia, dado que a mudança das regras pode transformar e manipular os resultados do jogo eleitoral. Dessa forma, abre-se a possibilidade para que as eleições sejam decididas nos tribunais e não nas zonas de votação.
Nesse sentido, o caso da cláusula de barreiras é bastante significativo. Aprovada em 1995, esse instituto impediria a atuação parlamentar de partidos políticos sem representatividade. A intenção da restrição era nobre. O estabelecimento de um percentual mínimo de votos como passaporte de entrada para o centro das decisões políticas mandava o seguinte recado às legendas: “Psiu..., ei..., partido..., antes de ter acesso aos recursos públicos do fundo de partidário, antes que o dinheiro do contribuinte seja utilizado para pagar sua aparição no horário nobre da televisão e do rádio, antes de você ganhar votos para “chantagear” o governo e ganhar cargos na administração, me demonstre que você está minimamente enraizado nos corações dos cidadãos! Que significa alguma coisa para as pessoas que você diz querer servir! Que suas propostas encontram ressonância em algum lugar”. Alguém acha justo que qualquer partido, que nunca recebeu nenhum voto, tenha direito a dinheiro, horário nobre, tribuna e cargos? Pois esse era o caso do Psol e do PRB até outubro de 2006, data da primeira vez em que se apresentaram ao eleitor.
Mas justiça e judiciário nem sempre são palavras sinônimas e a aplicação da lei da cláusula de barreiras foi comprometida já na sua interpretação. Seu texto dita expressamente que os partidos que não obtivessem um piso de votos válidos não teriam direito a funcionamento parlamentar. Para um entendedor bem intencionado, e para o resto do mundo que adota esse instituto, as legendas sem o mínimo de apoio não poderiam enviar seus parlamentares ao Congresso Nacional. Era essa a explicação que os professores de Ciência Política ensinavam aos seus alunos e os analistas informavam aos telespectadores dos telejornais. Ingênuos, não contavam com a criatividade do TSE. No Brasil, os deputados eleitos pelos nanicos poderiam tomar posse, mas não gozariam integralmente de suas prerrogativas, como participar da direção da Casa, integrar comissões e indicar líderes.
Desenhou-se um cenário inimaginável para qualquer democracia séria. O Congresso Nacional possuiria parlamentares de 1ª classe e outros de 2ª classe, algo sem paralelo em qualquer outro país. Enquanto os analistas e estudiosos, tentando se refazer do susto tomado, buscavam compreender aquela anomalia, não enxergaram o sadismo que acompanhava a loucura aparente. O objetivo da regulamentação esdrúxula não era outro, senão a de tornar a lei impraticável. A ausência de fundamentação jurídica para um parlamento estratificado seria um prato cheio para a primeira corte constitucional que aparecesse. E na noite do dia 07 esse propósito se realizou. Por dez votos a zero o STF pronunciou: “Está aí a criança, morta ao nascer”!
Todo esse processo serve de aviso para quem tem esperança nas mudanças prometidas pela reforma política. Por um lado, a mudança das regras possui capacidade real de mudar as instituições, pois a expectativa da adoção da cláusula de barreiras provocou transformações no sistema partidário, por meio da fusão de legendas. Por outro, existe grupos organizados e sempre prontos para evitar qualquer mudança que ameace manutenção do status quo. Dessa forma, há chance real de que a reforma política continue sendo apenas uma saída retórica para momentos de crise.
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