24 dezembro 2006

Sociedade X Congresso

“Somos um povo honrado governado por ladrões”. Em 1954, o jornalista Carlos Lacerda estampou na capa do jornal Tribuna da Imprensa a manchete que refletia a crise de legitimidade que abateu o governo Getúlio Vargas. Apesar de ter sido publicada há meio século atrás e por um autor que não era lá muito imparcial, a frase pode ser utilizada nos dias atuais para expressar o “divórcio” existente entre o que pensa a sociedade civil e o que a classe política pratica.

A auto-aumento de 91%, somado a todos os escândalos de corrupção que consomem o Congresso há dois anos, acentuou a desconfiança da sociedade em relação ao seu parlamento. Por isso, a opinião pública observará com atenção redobrada a confirmação ou não do reajuste por meio de votação em plenário.

Por sua vez, o plenário não teve um bom desempenho na cassação dos envolvidos no escândalo do “mensalão” e congêneres e adotou uma posição de enfrentamento em relação à opinião pública. Por exemplo, na ocasião de seu julgamento, o deputado Roberto Brant (PFL-MG) convocou seus pares a enfrentar as pressões provenientes da sociedade, desejosa de punição para os envolvidos: “Vou fazer referência, agora, à opinião pública, esse monstro que tantas vezes nos amedronta. (...) Temos de aprender a encarar a opinião pública. Ela não é o povo”. Ao final, Brant foi absolvido e, coincidência ou não, após seu discurso de defesa, nenhum outro parlamentar foi cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados.

O STF deu uma nova oportunidade para que o Congresso se reconcilie com a sociedade. Dessa vez, sem o véu do voto secreto, o plenário voltará ao centro das atenções de toda a população brasileira. Caso adote um reajuste mais comedido, acenará que ainda existe esperança para o bom senso e entrará 2007 com uma dose extra de respaldo social. Caso contrário, poderá iniciar sua nova legislatura em uma crise de legitimidade maior do que aquela que levou Vargas ao suicídio.

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