22 fevereiro 2011

Para entender o oriente médio!

Os pilares de areia do Ocidente! (capturado no Valor de hoje)

Daniel Korski é pesquisador sênior de políticas públicas no European Council on Foreign Relations

Ben Judah é pesquisador de políticas públicas no European Council on Foreign Relations. Copyright: Project Syndicate, 2011.

Há dois séculos, a chegada de Napoleão ao Egito anunciava o advento do Oriente Médio moderno. Agora, quase 90 anos após o desaparecimento do Império Otomano, 50 anos após o fim do colonialismo, e oito anos após o começo da Guerra do Iraque, os protestos revolucionários no Cairo indicam que mais uma mudança pode estar em curso.

Os três pilares sobre os quais a influência ocidental no Oriente Médio foi construída - uma sólida presença militar, laços comerciais e uma série de países dependentes do dólar - estão desmoronando. Consequentemente, o Oriente Médio que despontará nas semanas e meses adiante poderá tornar-se muito mais difícil de ser influenciado pelo Ocidente.

O primeiro pilar - presença militar- remonta à ocupação francesa e britânica de partes do Império Otomano depois da I Guerra Mundial, e foi reforçado pelos vínculos militares da era da Guerra Fria forjados pelos Estados Unidos e União Soviética. Em 1955, o Ocidente até chegou a ser sólido o bastante para arregimentar um elenco formado por Turquia, Iraque, Irã e Paquistão, numa espécie de Otan asiática ocidental conhecida como Pacto de Bagdá.

A Guerra do Yom Kippur em 1973 foi uma ilustração clara da influência militar soviética e ocidental. O exército egípcio disparou foguetes tchecoslovacos de 130 mm, enquanto os MIGs sírios combatiam os Skyhawks israelenses sobre as Colinas do Golan. Mas a influência americana e soviética não foi confinada ao campo de batalha, à medida que os dois países fizeram a sua presença ser sentida até o mais alto escalão da cadeia de comando. Mais recentemente, as instalações militares no Golfo Persa protegeram o fornecimento de petróleo da aliança da Guerra Fria e dissuadiram tanto o Iraque do partido Ba'ath como o Irã do aiatolá Ruhollah Khomeini de se apoderarem dos valiosos poços petrolíferos ou de estrangularem as rotas de exportação.

O novo Oriente Médio que está se delineando agora deve lealdade a mais de uma potência. Sua arquitetura geopolítica está sendo moldada pelas revoluções do norte da África, pela autoafirmação turca, intransigência iraniana e pelo colapso do Iraque.

Mas esse pilar militar tem sido sistematicamente corroído. Um sinal precoce foi o fracasso da "Operação Eagle Claw" para resgatar os reféns dos Estados Unidos no Irã em 1980. Outra fissura apareceu com o atentado do Hizbollah contra o quartel dos fuzileiros navais dos EUA em Beirute, que precipitou uma retirada abrupta dos Estados Unidos do Líbano. Desde a invasão do Iraque em 2003, as forças dos Estados Unidos se retiraram da Arábia Saudita e descobriram que seu poderio militar convencional não se traduz necessariamente em impacto na cena real.

O segundo pilar do papel do Ocidente no Oriente Médio - os laços comerciais - também foi enfraquecido. A América costumava ser o parceiro comercial essencial para os países do Golfo, mas isso agora mudou. Em 2009, a Arábia Saudita exportava 57% do seu petróleo para o Extremo Oriente e apenas 14% para os EUA. Em resposta a essa mudança fundamental, o rei Abdullah tem perseguido uma política "voltada para o Oriente" desde 2005, resultando em comércio exterior em valor superior a US$ 60 bilhões.

Esse deslocamento rumo ao Leste fez a China tornar-se uma parceira comercial maior do que os EUA, tanto para o Catar como para os estados árabes. Além disso, quase um quarto do comércio exterior do Catar é feito com a China, na comparação com pouco mais de 5% com os EUA. Da mesma forma, 37% do comércio dos EAU é feito com China, Índia e Coreia do Sul. Para muitos países do Oriente Médio, os interesses da China agora são tão importantes quanto os dos EUA.

Finalmente, os EUA não contam mais com uma série de clientes relativamente estáveis na região. Os EUA acreditaram que as formidáveis quantias de ajuda que distribuiu para Egito, Israel e Jordânia garantiam a estabilidade e a cooperação em assuntos de interesse americano. Isso funcionou por três décadas, mas agora o vínculo está enfraquecendo.

O ritmo da queda da influência ocidental parece ter acelerado ao longo da década passada. Os sauditas deixaram claro em 2003 que não poderiam mais abrigar as instalações militares dos EUA. Tanto no seu primeiro como no segundo mandato como premiê de Israel, Binyamin Netanyahu se recusou a seguir o roteiro dos EUA na questão do processo de paz palestino-israelense. E, apesar de abrigar uma enorme base militar dos EUA, o Catar mantém laços próximos com Síria e Irã.

A isso agora é preciso acrescentar a revolta no Egito. Hosni Mubarak era o eixo principal da política do Ocidente; ele era intransigente com inimigos potenciais dos EUA; era possível confiar plenamente nele para comparecer em conversações de paz com os israelenses; e ele podia ser usado para acrescentar peso à posição americana na questão do Irã. Agora a aliança Egito-EUA está sendo ameaçada e, com ela, a política americana para todo o Oriente Médio.

À medida que desmoronam os três pilares da política do Ocidente para o Oriente Médio, um novo Oriente Médio está se delineando, impulsionado por ventos comerciais e devendo lealdade a mais de uma potência. Sua arquitetura geopolítica está sendo moldada pelas revoluções norte-africanas, a autoafirmação turca, a intransigência iraniana e o colapso do Iraque. O Ocidente não achará o terreno estratégico resultante fácil de navegar.

10 fevereiro 2011

Serra fala ao PSDB!


O artigo foi publicado no Globo. Mas o recado é para o PSDB!

02 fevereiro 2011

Análise sobre o imponderável! O turning point do Egito!


Ótimo texto de Mike Littwin, do New York Times Service. Como é impossível prospectar o futuro do Egito. A realidade impõe-se sobre os analistas.

O Egito seguirá o caminho de Berlin ou o de Teerã?

As coisas mais óbvias a dizer a respeito dos protestos de rua egípcios também são as mais empolgantes e assustadoras que podem ser ditas: Ninguém está no comando. Ninguém sabe o que acontecerá a seguir.

Você pode ler, escutar e assistir, mas não é possível saber muito mais do que isso.
 
Omar Suleiman, o vice-presidente egípcio recém-nomeado, anuncia que o governo de Hosni Mubarak está pronto para discutir reformas políticas. E a pergunta não é tanto que reformas estariam na mesa – se é que há alguma– mas quem estaria sentado à mesa.
 
Não se esqueça, ninguém está no comando. Não há um Nelson Mandela, infelizmente. Não há um aiatolá Khomeini, felizmente.
 


Não há uma ideologia aparente. Há um excesso de frustração, acumulada ao longo de 30 anos de governo Mubarak.
 
Mohamed ElBaradei, o ganhador do Nobel, recebeu apoio oficial de alguns grupos, incluindo a Irmandade Muçulmana, para negociar com o governo Mubarak. Mas segundo uma reportagem do “Washington Post”, ElBaradei recebeu uma recepção morna quando se dirigiu aos manifestantes no dia seguinte.
 


Em caso de queda do governo Mubarak, ninguém pode dizer com certeza o que aconteceria a seguir. Ninguém tem ideia da força relativa da Irmandade Muçulmana, que é um partido de oposição não oficial, pró-Islã e fora-da-lei. Ninguém tem ideia se os jovens nas ruas têm condições de fazer algo fora exigir mudanças.
 
Eles não fazem muitas pesquisas no Egito. O que fazem é prender qualquer um que saia demais da linha.
 


Para aqueles que exigem que o presidente Barack Obama faça algo mais, poucos têm uma ideia real do que poderia ser. Para Obama, é ainda mais complicado devido ao fato do longo relacionamento dos Estados Unidos com o Egito, do relacionamento do Egito com Israel e pelo fato dos Estados Unidos mandarem ao Egito US$ 1,5 bilhão em ajuda todo ano.
 
Se o país encorajar publicamente os protestos, o que fazer caso Mubarak tenha sucesso em reprimi-los? O que aconteceria no caso de uma versão egípcia da Praça Tiananmen (Praça da Paz Celestial)?
 


Mas não há como não apoiar os manifestantes. Não dá para fazer campanha prometendo esperança e mudança e não oferecer nenhuma.
 
O melhor palpite é que Obama esteja privativamente pressionando Mubarak a renunciar. Ele tem 82 anos. Em algum momento o Egito chegaria a uma encruzilhada semelhante, com seu futuro igualmente incerto. Uma coisa é os Estados Unidos estarem no lado errado da história. Mas a verdade é que podemos não ter muito a dizer a respeito de onde a história nos levará.


 
É fácil ser idealista a milhares de quilômetros de distância. Mas quão real sua realpolitik precisa ser para não ficar ao lado das pessoas nas ruas? E se há um símbolo digno de nota, é que o gás lacrimogêneo que está sendo atirado contra os manifestantes possui rótulos “Made in the USA”.
 
O que eles tiveram no Egito sob Mubarak foram 30 anos de “estabilidade”, o que, como apontou a colunista do “Washington Post”, Anne Applebaum, é mais ou menos equivalente neste caso a “repressão”.
 


Estabilidade tem pontos positivos, é claro, particularmente no Oriente Médio. Mas estabilidade, quando significa repressão, ainda é repressão. E, de qualquer modo, quando a estabilidade começa a ruir, o que resta?
 
O que temos agora é o Exército egípcio anunciando –na televisão estatal– que não atirará contra os manifestantes porque a “liberdade de expressão por meios pacíficos é garantida a todos”.
 


No Egito, é claro, liberdade de expressão não é garantida a todos. Mas o Exército é aparentemente a única entidade do governo em que todos confiam. E os especialistas se perguntam se este é um sinal de que Mubarak está liquidado.
 
Eu já vi a liberdade de expressão em ação no Egito. Certa vez eu fui ao julgamento de 87 membros da Irmandade Muçulmana. O tribunal ficava em um campo militar no deserto ao norte do Cairo. E os réus estavam em uma jaula. Sim, uma jaula.
 
Eles eram acusados de “jihad”, mas, a partir dos testemunhos, parecia que estavam sendo julgados por oposição ao governo. Um foi preso por posse dos livros errados. A verdade inegável no tribunal era a jaula em si e os homens que escalavam, como animais, a cerca de arame para poder tocar a mão de uma esposa ou filho.
 


Isso não desconta o fato da Irmandade Muçulmana querer estabelecer um Estado islâmico. Também não diz se as manifestações iniciadas em Túnis sugerem um momento Muro de Berlim, ou uma reprise da revolução iraniana.
 
Ninguém sabe. O que sabemos é onde estivemos. E é hora de esperar por algo melhor.

01 fevereiro 2011

A Câmara que surge!

Câmara partida
Fernando Rodrigues, Folha de S. Paulo

Na jovem democracia brasileira, a Casa do Povo que toma posse amanhã tem algumas características raras e/ou inéditas:

1) Fragmentação recorde - A Câmara terá 22 partidos representados. É o número mais elevado desde a volta do pluripartidarismo, no início da década de 80.

Na Colômbia, há 12 partidos com deputados eleitos. No Chile, 8. No México, só 7. Já a exótica e em crise eterna Argentina tem 35 blocos políticos no Congresso - eleitos pelo modelo distrital, o que serve de alerta aos defensores desse sistema como panaceia para o Brasil;

2) Concentração - 8 dos 22 partidos com deputados eleitos receberam 75,4% dos votos para a Câmara na eleição do ano passado;

3) Nanicos - O Brasil tem hoje 27 partidos. Os 5 que não elegeram deputados tiveram, juntos, 0,6% do total de votos para a Câmara;

4) PMDB grande - Desde 1986, nunca um partido havia eleito deputados em todas as 27 unidades da Federação. No ano passado, o PMDB foi o único a repetir a façanha. O PT terá representantes de 23 Estados e do Distrito Federal.

Como se observa, a democracia brasileira tem defeitos e assimetrias. O principal problema é corolário do democratismo de leis benemerentes com agremiações sem o apoio popular devido.

Com o fim da ditadura, fazia sentido dar tempo de TV, dinheiro do fundo partidário e benefícios fartos a todos os novos partidos. Mas passaram-se 25 anos. Se em um quarto de século uma sigla não se estabeleceu, é lesivo à democracia manter as vantagens oferecidas.

Das possíveis alterações nas regras eleitorais, duas mitigariam as mazelas nacionais: o fim das coligações para eleger deputados e a criação de uma cláusula de desempenho - só teria amplo acesso à TV a sigla com 5% ou mais dos votos. Haveria uma profilaxia no horário eleitoral. Seriam escoimados os embusteiros que há décadas vendem ideias rejeitadas pelo eleitor