O PNDH-3 foi precedido pelo PNDH-1, que enfatizou os direitos civis e políticos, em 1996, e pelo PNDH-2, que incorporou os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em 2002.
O PNDH-3 adota o princípio da transversalidade, ou seja, ele abrange uma gama muito grande de temas. Por isso, ele é subscrito por 31 ministérios diferentes.
Por isso, é necessário realizar uma ressalva importante: o PNDH-3 aborda temas polêmicos, mas ele é muito mais abrangente (6 eixos orientadores, subdivididos em 25 diretrizes, 82 objetivos estratégicos e 521 ações programáticas).
Os seis eixos orientadores são: I) Interação democrática entre Estado e sociedade civil; II) Desenvolvimento e Direitos Humanos; III) Universalização de direitos em contexto de desigualdades; IV) Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência; V) Educação e Cultura em Direitos Humanos; VI) Direito à Memória e à Verdade.
De acordo com informações fornecidas pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, “a participação social na elaboração do programa se deu por meio de conferências, realizadas em todos os estados do país durante o ano de 2008, envolvendo diretamente mais de 14 mil pessoas, além de consulta pública. A versão preliminar do Programa ficou disponível no site da SEDH durante o ano de 2009, aberto a críticas e sugestões.”
O plano não tem validade automática. O decreto apenas envia projetos de lei (27 em um momento inicial) para apreciação e votação no Congresso Nacional. Ou seja, os eixos, objetivos e metas são apenas diretrizes que devem (ou deveriam) orientar os parlamentares.
Os pontos destacados negativamente pela imprensa foram:
a) Possibilidade de criação de uma Comissão da Verdade que poderia ter poder para investigar crimes cometidos contra a ditadura, assim como revogar leis emitidas entre 1964 e 1985 que imponha alguma limitação/restrição aos direitos humanos.
Politicamente, haveria dois problemas nessa proposta. O primeiro é a possibilidade de ter militares da reserva julgados pela Justiça Comum (pela Carta de 88, eles só podem ser julgados por tribunais militares). Isso poderia abrir precedente para o fim de uma prerrogativa que os militares consideram como uma garantia para que não houvesse revanchismo por parte dos civis quando eles retornassem ao poder.
O segundo é a possibilidade de revogação da própria lei da anistia, que poderia ser interpretada como um aparato contrário à universalização dos direitos humanos;
b)A segunda questão foi a presença de representantes de movimentos sociais que invadem terras e imóveis nos julgamentos de restituição de posse. Segundo o ministro Vannuchi, a idéia de descriminalizar essas organizações. A proposta gerou reação imediata de setores mais conservadores e da CNA (confederação nacional da agricultura).
c) O terceiro ponto é uma proposta de regulação governamental dos meios de comunicação tendo como ponto de referência os direitos humanos. O conteúdo dos veículos seriam ranqueado de acordo com parâmetros a serem estabelecidos pelo Congresso Nacional. Haveria previsão de sanções. A mais rigorosa seria o a cassação dos contratos de concessão.
O quarto ponto é a descriminalização do aborto, que encontra oposição na CNBB e outros movimentos religiosos.
Análise
O governo não calculou bem o impacto do lançamento do PNDH-3 e criou celeumas importantes que dão início a uma pré-crise com setores importantes da sociedade (militares, conservadores, mídia e movimentos religiosos).
Há vários pontos sensíveis que podem contaminar o debate eleitoral e ter conseqüências para o governo e sua candidata, Dilma Rousseff.
O principal problema é que os tema levantados, especialmente a criação da Comissão da Verdade e a presença de movimentos sociais (como o MST) em processos de reintegração de posse podem levar o a candidatura governista muito à esquerda, distanciando-a do eleitor médio/centrista, alvo a ser perseguido nas eleições presidenciais (como Lula fez em 2002).
O governo sabia da existência de pontos polêmicos. Entretanto, para ele, a questão poderia ser resolvida facilmente: o PNDH-3 será “fatiado” em 27 ou mais projetos de lei e enviados ao Congresso. Aqueles que seriam mais polêmicos permaneceriam por lá, sem tramitação.
Essa era a solução ótima porque o governo poderia prestar contas a setores do PT e do eleitorado engajados historicamente nessas causas sem desagradar totalmente organizações sensíveis (forças armadas, CNBB, ruralistas, mídia, etc...), pois os pontos polêmicos seriam “suavizados” pelo Congresso.
No entanto, essa solução não foi compreendida ou não foi aceita por alguns atores cruciais. Os militares entendem que, mesmo parado no Congresso, o projeto continua sendo uma ameaça de revanchismo contra as forças militares. A mesma leitura é feita pela mídia.
Além disso, foram abertos diversos flancos que podem ser explorados pela oposição.
O governo se colocou em um labirinto. Não pode voltar atrás, sob pena de se comprometer com setores de defesa dos direitos humanos que lhes oferecem apoio histórico. Tão pouco pode levar o PNDH-3 adiante tal como ele está escrito. A saída deve ser a negociação de bastidores com os setores envolvidos a fim de demonstrar que a situação de impasse pode ser resolvida no Congresso.
A estratégia funciona bem quando os atores envolvidos são grupos acostumados ao jogo político/parlamentar. Mas esse não é o caso dos militares e da mídia. Portanto, a resolução do tema ainda possui um forte grau de imprevisibilidade.
No campo das políticas públicas, o ponto mais grave seria o comprometimento de todo o PNDH-3. Deve-se lembrar que ele possui aspectos importantes que não podem ser invalidados. Nesse sentido, é importante ter cuidado e capacidade de separar e “joio do trigo”.