28 outubro 2010
27 outubro 2010
26 outubro 2010
Na linha do swing vote...
Já tinha comentado aqui que achava estranho que José Serra, que sempre nutriu a imagem de alguém preocupado com os gastos públicos, fazer propostas como o salário mínimo de R$ 600, reajuste das aposentadorias em 10%, duplicar o Bolsa Família, como se fosse um político irresponsável. O impacto disso beira os R$ 50 bilhões e pode aumentar ainda mais o buraco da Previdência. Nesse último debate presidencial, na Record, a nova surpresa veio dos temas privatização e capital estrangeiro.
A campanha de Lula, Dilma e PT contra a privatização é um sinal de atraso. Desculpe, mas vou além: é um sintoma de ignorância. As empresas privatizadas são mais lucrativas, não dão rombos aos cofres públicos ( pagos por nós) e ainda pagam impostos.
É uma eficiência da qual todos saem ganhando, exceto os políticos que ganhavam cargos. Pena que a memória seja tão curta e não se lembrem mais do que eram os bancos estaduais, por exemplo.Só numa empresa estatal (e aí Serra fez muito bem em lembrar) um Collor consegue influenciar uma área estratégica como na Petrobras.
No debate da Record, foi a vez de Serra partir para o ataque e, sem maiores ressalvas, acusar Dilma de privatizar a Petrobras, permitindo que empresas estrangeiras participassem da exploração de petróleo.
O ataque faria sentido para mostrar que nem o PT acredita (ainda bem) no que fala. Mas do jeito que ficou no debate, parece que Serra e o PSDB endossam as bobagens estatistas.
Muita gente podia não gostar do Serra que entrou na campanha, mas sabia quem era ele. O que está, neste momento nos vídeos, é difícil saber. No começo da campanha não sabíamos (e ainda não sabemos) quem era exatamente Dilma. Agora, não sabemos quem é Serra.
21 outubro 2010
Swing vote!
Ofertório eleitoral (Editorial)
O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, nunca comungou com os tucanos ortodoxos que conduziam a economia no governo FHC.
Na campanha de 2002, porém, jurou sobre o cânone de responsabilidade fiscal do cardinalato do Plano Real, em nome da continuidade. Agora, pela mesma razão, mostra-se pronto a abjurar o credo com ímpetos de iconoclasta.
Multiplicam-se as promessas de aspecto populista na campanha tucana. O Bolsa Família se estenderia a mais 15 milhões de famílias (hoje são 13 milhões) e contemplaria idosos e mais vulneráveis com um 13º benefício mensal.
O salário mínimo subirá para R$ 600 já no ano que vem. Pensões e aposentadorias do INSS terão aumento de 10%.
A motivação eleitoral parece óbvia. Serra enfrenta o desafio de concorrer com a candidata petista, Dilma Rousseff, ungida pela popularidade inédita de um presidente que, em oito anos, de fato logrou transferir renda para as camadas mais pobres e incluir milhões no mercado. Além disso, a candidata não faz por menos: promete simplesmente erradicar a miséria do país.
O tucano optou por apresentar-se como continuador e amplificador pragmático das políticas sociais do lulismo. Pouco importa de onde sairá o dinheiro. São R$ 46,2 bilhões adicionais já em 2011, como demonstrou ontem reportagem nesta Folha: R$ 17,1 bilhões para o mínimo, R$ 15,4 bilhões para aposentadorias e R$ 13,7 bilhões para Bolsa Família.
Ora, isso representa uma vez e meia tudo o que a União investiu em infraestrutura -estradas, portos, aeroportos e outras obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)- em 2009. Ou, em outros números, 2,5% do orçamento federal para este ano.
Trata-se de comprometer fatias crescentes da receita com medidas que podem retirar capacidade de investimento do Estado e pressionar as finanças públicas. Não é o que se espera de um político como Serra, que em sua vida pública tem se comprometido com o desenvolvimento e a responsabilidade fiscal.
Para ser imparcial, Dilma também recebeu vários puxões de orelhas por ter adotado posturas conservadoras quanto à questão do aborto. Contrariou toda uma tradição petista de pensamento progressista. Sobre esse assunto, vale a pena assistir um filme chamado "Swing Vote", onde um cidadão americano é chamado para decidir uma eleição. Para tentar agradá-lo, Democratas assumem propostas Republicanas e vice-versa. Bem apropriado!!
Na bacia das almas!
O motivo é simples. A estabilidade econômica e o nível de empregos no Brasil geram uma sensação de bem estar na população que favorece o discurso da continuidade.
No entanto, para Dilma usufruir desse enorme desejo de manutenção dos status quo, é necessário que ela exiba dois atributos. O primeiro é a identificação com o governo que está terminando. Isso ela tem e ninguém questionou.
O segundo atributo é credibilidade. Aí que mora o problema. As Erenices da vida e a posição dúbia em questões conservadoras como o aborto corroeram (justa ou injustamente) exatamente a crença das pessoas na capacidade e coerência da candidata petista.
Serra tentará explorar isso o máximo que conseguir. Seu público alvo não são apenas os indecisos (que somam percentual insuficiente para permitir uma virada), mas eleitores de Dilma de pouca convicção. Para Serra, a partir de agora, tudo é pessoal.
Para não ficar nas cordas, o núcleo de estratégia do PT resolveu abandonar o clima de paz e amor e tratou de por Serra na defensiva. A revelação do tal Paulo Preto foi um golpe importante e, ao que tudo indica, ajudou a frear a ascenção do tucano. Além disso, "soltaram a coleira" de Dilma e ela foi liberada para atacar nos debates.
O jogo ficou franco. Não é uma campanha bonita de fazer nem da qual é possível se orgulhar. Mas faz parte, existe e está aí.
19 outubro 2010
Memória curta!
Eis aqui um sinal do Brasil profundo: 30% dos eleitores brasileiros já se esqueceram o nome do candidato a deputado federal para o qual deram o voto –a menos de 20 dias.
Os dados são de pesquisa Datafolha realizada em todo o país nos dia 14 e 15 de outubro.
A situação é igualmente desoladora no caso do Senado: 28% dos eleitores já não se lembram em quem votaram para pelo menos uma das vagas de senador (havia duas em disputa).
13 outubro 2010
Nem todos que dizem "Senhor" entrarão no céu!
Texto de Ronaldo Correia de Brito para o site Terra.
Vi de leve um guia eleitoral na TV e notícias sobre a campanha dos candidatos à presidência. Bem de leve porque os discursos e a campanha publicitária ferem nossa sensibilidade e inteligência. O tom maniqueísta lembra os filmes de Glauber Rocha: O dragão da maldade contra o santo guerreiro e Deus e o Diabo na terra do sol. Embora José Serra se alardeie o representante do bem, beije uma cruz de Cristo pendurada no pescoço e saude a nação brasileira cristã; embora Dilma Rousseff assista missa na basílica de Aparecida e confesse ser devota de Nossa Senhora, tudo soa falso e da mais pura hipocrisia.
Os dois candidatos - cristãos de última hora -, orientados às pressas pelos marqueteiros de olho nos votos "religiosos", desconhecem os Mandamentos e o Evangelho de Mateus. Ignoram que não devem jurar o santo nome de Deus em vão e que a mão esquerda não deve saber o que faz a mão direita. Ao contrário, eles exibem diante das câmeras as ações da mão direita, alardeiam-nas, pois o único fim de seus atos falsamente puritanos é parecerem devotos, piedosos, praticantes do evangelho. - Sepulcros caiados! Lobos vestidos em pele de cordeiro! - gritaria o Cristo, expulsando os vendilhões do Templo.
É inconcebível esse retrocesso ao medievo católico ou ao fundamentalismo evangélico, quando em todas as democracias do mundo o Estado busca se desvincular da Igreja. Basta o exemplo da teocracia islâmica do Irã, onde os direitos democráticos mais elementares não são respeitados e as questões laicas são tratadas como se fossem questões de Deus. Nessa campanha, a política brasileira dá uma guinada para trás, permitindo a intromissão de um poder religioso na decisão eleitoral.
Somente numa democracia como a nossa, que de tempos em tempos sucumbe às ditaduras e que mal se refez do Estado Novo e do Golpe Militar de 64, é possível uma campanha com tamanho maniqueísmo e terror. Somos amedrontados a não votar em 'tal' candidato pelo risco de perdermos a liberdade de imprensa, de uma nova ditadura no molde stalinista, pela concentração do poder em certo partido, e etc., etc., e etc., num jogo político inconcebível num país de cidadãos livres. Existe coisa parecida nas eleições americanas? Os democratas apregoam que os republicanos querem se instalar no poder eternamente? Ou vice-versa? A resposta é não, porque os americanos possuem uma democracia estável.
É uma pena que as eleições não sirvam de oportunidade aos debates sobre educação, saude, desigualdade social e corrupção. Assistimos o vergonhoso circo de candidatos chafurdando em questões de foro íntimo, que nada têm a ver com as mazelas sociais brasileiras, manipulando a fé das pessoas, fazendo promessas impossíveis de cumprir.
A teoria da mestiçagem de Gilberto Freyre não consegue explicar nossa vocação pacífica, que vez por outra explode em arroubos violentos, quase sempre individuais, muito poucas vezes ações coletivas, politizadas, refletidas. Em meio à bem sucedida mistura de raças, tão alardeada, manifestamos um individualismo que nos torna frágeis e manipuláveis. Presas de candidatos que transformam o voto de livre arbítrio em vontade de Deus.
Da minha parte, também não gosto da idéia de que o próximo presidente tenha que beijar a mão do bispo A, B, ou C. Pelo menos nesse ponto, Dilma e Serra tinham que concordar em não transformar a corrida eleitoral em um jogo de empurra em que ao perderdor caberá a fogueira da Santa Inquisição.
11 outubro 2010
A eleição pós Marina!
Maquiavel dizia que uma parte da política é passível de ser controlada por estratégias e lances arquitetados. Já uma outra parte é indeterminada, imprevisível e indomada, como a sorte. Pois foi a sorte que deu os novos contornos da disputa presidencial. De forma inesperada, Marina recebeu milhões de votos de última hora e levou a eleição para o segundo turno de forma intempestiva.
O “efeito Marina” está sendo sentido no processo eleitoral. Serra e Dilma estão buscando uma aproximação da candidata e, conseqüentemente, dos seus eleitores. Mas o caminho não é tão fácil. O problema é a heterogeneidade do eleitorado de Marina, que é composto por “petistas clássicos” desiludidos, conservadores evangélicos, progressistas ambientalistas, insatisfeitos como PT e PSDB, ex-votantes de Dilma que se assustaram com o caso Erenice e grupos de intelectuais. É possível agradar a todos?
Não. Marina não possui um “pacotinho” de votos com o qual possa negociar uma agenda com os outros candidatos. A tendência é que seus eleitores não se atenham à posição manifestada por ela para definirem seus votos, mas que busquem informações adicionais e decidam com autonomia.
Dilma e Serra sabem disso. No entanto, acreditam que a regra não vale para um segmento particular: o grupo conservador. De acordo com seus estrategistas, os evangélicos especialmente estariam mais acostumados a decisões do tipo “top-down”. Por isso, na primeira semana que marcou o início do segundo turno, os candidatos concentraram suas baterias na afirmação dos seus valores morais e religiosos.
Serra indica que tentará liderar uma cruzada moralista/conservadora contra o PT, esperando que a força de velhos tabus superem os argumentos econômicos que sustentam a posição de seus adversários. Em clara atitude de defesa, Dilma hasteou na última hora uma bandeira pró-vida, manifestando-se freqüentemente sobre o assunto e pedindo à população que não duvide dos seus valores cristãos.
A questão conservadora se traduziu em uma discussão rasa sobre o aborto. As conseqüências desse processo são imprevisíveis. Quanto radicalismo de direita Dilma e Serra, líderes históricos da esquerda, poderão sustentar? O irônico disso tudo é que Marina Silva, pivô dessa virada à direita, não se posicionou sobre a questão do aborto. Sempre que era questionada sobre o assunto, apresentava a saída lacônica da realização de um plebiscito.
Resta saber o quê Serra e Dilma farão com o restante das estímulos gerados por Marina: serão mais espontâneos e naturais nos debates? Incorporarão o desenvolvimento ambientalmente sustentável nas suas agendas de governo? E para onde vai Marina? Seus outros temas são eleitoralmente importantes? A sorte pode ter trazido Serra e Dilma para o segundo turno. Mas é a virtú, como diria Maquiavel, a habilidade pessoal de cada candidato de lidar com o as condições determinadas pelo destino é que determinará quem vencerá na eleição pós-Marina.
08 outubro 2010
A pergunta de 1 milhão de dólares!
Quem são e para onde irão os eleitores de Marina Silva?
Por Antônio Augusto de Queiroz *
A resposta a esta pergunta será dada pelas pesquisas qualitativas que estão sendo feitas pelos institutos de pesquisa e pelas urnas no dia 31 de outubro, mas já é possível antecipar algumas constatações desse processo eleitoral, que está em fase de decantação. Minha hipótese é de que o peso político de Marina Silva é menor do que os votos que recebeu e que seu partido, o PV, é menor e menos verde que ela.
A senadora Marina Silva foi apresentada pela intelectualidade e pela mídia como a candidata ideal: mulher, religiosa, de origem humilde, comprometida socialmente, defensora do meio ambiente, honesta e sem o suposto radicalismo do PT nem o conservadorismo do PSDB. Seria a terceira via, embora não dispusesse de grande estrutura partidária, tempo de televisão e recursos para uma campanha presidencial.
Com esse perfil, Marina recebeu votos de um eleitorado difuso, que pode se classificado em quatro grupos: a) o da fadiga, b) o flutuante, c) o da revanche ou do troco, e d) o convicto.
O primeiro grupo, da fadiga, é composto por eleitores que não estão satisfeitos com o PT nem têm saudades do PSDB. Esse grupo descarregou seus votos na Marina menos por convicção e mais por considerá-la uma candidata simpática, honesta, boazinha, que poderia, eventualmente, se converter numa terceira via. Foi falta de opção.
O segundo grupo, o flutuante, foi determinante para levar a eleição para o 2º turno. É composto de eleitores pendulares, que não queriam José Serra, estiveram indecisos um período, declararam votos para Dilma, mas próximo da eleição desistiram e votaram em Marina.
Esse grupo é muito heterogêneo. É formado por eleitores que não gostaram dos escândalos no Governo (quebra de sigilo e episódio da Casa Civil) e também se deixaram influenciar pelos boatos de que a candidata Dilma era a favor do aborto, da união civil de pessoas do mesmo sexo e que teria declarado que “nem Cristo" tiraria sua eleição em primeiro turno.
Especula-se que neste grupo, formado majoritariamente por potencias eleitores de Dilma, inclui-se até gente de partidos da base aliada, que, certo da vitoria da candidata governista, teria (por ação ou omissão) consentido levar a eleição para o 2º turno como forma de reduzir o poder do PT e forçar uma negociação política em novas bases, inclusive com o fortalecimento dessas forças na coordenação de campanha.
O terceiro grupo, o da revanche ou do troco, é formado por pessoas que antes votavam no PT, mas que se sentiram traídas ou chateadas com determinadas políticas públicas ou com a postura das autoridades.
Esse grupo inclui, por exemplo, os aposentados do serviço público que tiveram que pagar contribuição previdenciária, os pensionistas que tiveram redução na pensão, os servidores que não tiveram reajuste, além de pessoas que resolveram punir o PT por suposta arrogância no Governo.
O quarto grupo, o da convicção, é formado pelos eleitores que tem certeza do voto, ou seja, acham que Marina é mais preparada para governar e possui o melhor programa. É um grupo heterogêneo, formado majoritariamente por intelectuais, jovens, por pessoas de classe média alta e também por gente humilde. Seu universo, entretanto, não passa de 5% do eleitorado brasileiro ou um terço dos votos da Marina.
Entre os postulantes à presidência da República, Marina foi poupada pelos dois principias candidatos, José Serra e Dilma Rousseff, ambos interessados em seus votos, na hipótese, que afinal se confirmou, de 2º turno.
Ninguém poderá afirmar, com certeza, para quem irão esses votos, se para Dilma ou Serra, ou, se ainda, serão anulados. O mais provável é que estes votos sejam distribuídos igualmente entre Dilma, Serra e abstenção ou nulos. Neste caso, se Dilma mantiver os votos do primeiro turno e acrescentar mais um terço dos votos dados a Marina terá sua eleição assegurada. É essa a minha aposta.
(*) Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político, diretor de Documentação do Diap e autor dos livros “Por dentro do processo decisório – como se fazem as leis” e “Por dentro do Governo – como funciona a máquina pública”.
06 outubro 2010
Ataque às pesquisas!
Previsões e profecias...
Roberto da Matta - O Estado de S.Paulo
Previsões e profecias são o sal da terra e o cerne do humano, do demasiadamente humano, como disse um filósofo muito citado e pouco lido. Pois se não compreendemos o que ocorre conosco neste instante, como entender o futuro? Aliás, se não sabemos nada das origens - de onde viemos, como foi que viramos gente com consciência do certo e do errado, quem inventou o beijo na boca, o cafezinho, o pinico, o cometa, o pôr-do-sol, a música, a mendacidade e o poder -, como prever o futuro?
Meu tio Amâncio apaixonou-se. No meio de uma "discussão política", quando os votos demoravam a ser apurados, acirrando acusações e atiçando suspeitas, na qual se engalfinharam tio Marcelino e tio Mario, ele apenas repetia: eu só sei que estou apaixonado e hei de sempre ser um eterno apaixonado... "Mas Amâncio - diziam uns tios -, o Lott é um general sem experiência política"... "Nada disso - negavam aos brados os outros -, o homem é o Jânio que, com sua vassoura, vai ganhar a eleição e varrer os ladrões!" Desses berros eu só guardei um Amâncio balbuciando com a fé de um santo milagreiro que estava apaixonado e que seria sempre um eterno apaixonado.
As previsões políticas dos meus tios falharam. Jânio ganhou a Presidência, mas a ela renunciou mergulhando o Brasil numa crise arrepiadora. Mas a profecia de tio Amâncio continua, pois sem ela o mundo não existiria. A crença numa paixão imortal é o sinal mais claro da generosidade e do orgulho que ajudam a enfrentar a certeza do sofrimento e da culpa. Essa dupla que constitui o centro da vida humana.
* * * *
Todas as previsões se destinam ao fracasso. Elas falam mais dos seus profetas do que de si mesmas. A crença no profetizar é um atributo da onipotência atribuída aos deuses, cujas vidas - pensando bem - são uma nulidade, já que nelas nada acontece. Onde, querido leitor, você prefere estar? Num diabólico colóquio amoroso com sua namorada (que você não pode jamais saber se te ama do mesmo modo que você é apaixonado por ela e vice-versa, daí a dureza do combate); ou no olimpo, onde a eternidade liquidou passado, presente e futuro, e o sangue que anima a vida é - se de fato existe - verde; como me ensinaram os índios Apinayé, certos de que, após a morte, não há mais excitação, embora se possa pensar em alguma beatitude na forma de uma enorme pasmaceira?
O nada, como dizia Thomas Mann, não me interessa, pois, sem origem ou fim, o vazio que o constitui não tem as dúvidas que levam às profecias, às previsões e aos desejos. Por isso nada ocorre no nada. O nada, como acentuou Sartre, é impossível de ser entendido por quem vive na plenitude de uma vida feita de tantas dúvidas e projetos quanto as estrelas do céu. Não tenho como conceber o eterno, como são capazes de fazer as pessoas "politizadas" que, tendo respostas para todos os problemas, preveem e profetizam a todo minuto.
* * * *
Por que profetizamos? Porque somos seres entregues à nossa própria consciência num mundo para o qual não fomos chamados. Um palco onde somos forçados a tomar parte num drama que estava sendo apresentado muito antes de nossa chegada, com o agradável agravante da certeza de que, um dia, iremos dele partir. Shakespeare, de quem eu roubo essa lição, falou desse jogo de entradas e saídas que nos coloca em contato com o sucesso e o fracasso, e com a vida e a morte. É justamente a certeza de que só há este mundo que nos obriga a honrá-lo e a gozá-lo. Pois não haveria honra ou amor se morrêssemos em nome de uma outra coisa, senão o da nossa humanidade que, por ser fabricada por nós mesmos, precisa de profetas e de certezas. Honrar a finitude é perde-se na dedicação fugaz, mas intensa e valente, que faz inveja aos deuses. Esse amor que deixamos, mesmo sabendo que seremos inevitavelmente esquecidos... Amor que, essa eu aprendi com o Kundera, nos faz flutuar um pouco para, mais adiante, sermos comidos pela terra. Mas que maravilha a breve aparição que nos faz viver pelos outros por causa de um beijo, um ideal ou de um aceno de mão que foi o início de uma família ou de uma paixão impossível, como aconteceu com Romeu e Julieta ou com Joe Bradley e a princesa Annia no filme do William Wyler, A Princesa e o Plebeu.
Essa incrível capacidade para ser tudo ou nada obriga a inventar âncoras e freios. E, para os radicais (que sabem tudo) engendra as certezas que eles, como profetas, adoram manipular. E, no entanto, e apesar das incertezas que fazem parte da vida, basta uma eleição, um populistazinho raivoso com alta popularidade, um novo modismo ou a perspectiva de uma vitória, para desenterrarmos a podridão autoritária - ou cairmos numa gigantesca e irrecuperável frustração.
* * * *
Tudo isso para dizer que a tal vitória, no mínimo insofismável, de Dilma no primeiro turno, prevista pelos profetas da mídia, não deu certo. Como não daria certo, leitor, se um marqueteiro nos dissesse que amanhã pela manhã tomaríamos café às 10 horas, porque foi assim que fizemos nas últimas quatro décadas. Basta ler a profecia para contrariá-la. Moral da história: barbas de molho, companheiros e oportunistas. Agora, que o FHC ajuda, ajuda; embora o futuro, como dizia vovó Emerentina, inveterada jogadora de pôquer, a Deus pertença. Que o diga o Reich de 1000 anos!
05 outubro 2010
A defesa dos institutos de pesquisa (comentários de Ricardo Guesdes, responsável pelo Sensus, ao site Terra)!
Nem o crescimento de Marina Silva (PV) no dia da eleição presidencial foi tão grande, nem os institutos de pesquisa erraram por não determinar com clareza que haveria segundo turno, afirma o diretor do Instituto Sensus, Ricardo Guedes. Para ele, a abstenção mais alta nas regiões Norte e Nordeste em comparação com outros locais é que provocou as discrepâncias entre o que previram as pesquisas - inclusive a de boca de urna - e o resultado final.
- O "efeito marina" é muito menor do que se supõe. Foi algo localizado em grandes capitais como Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, mas não influiu em mais que 2% nos resultados de Dilma Rousseff (PT).
Marina terminou as eleições com 19,33% dos votos válidos, mais do que os quatro principais institutos de pesquisa indicavam em seus levantamentos mais recentes. Pesquisa Datafolha, um dia antes da eleição, dava a ela 17% dos válidos. Considerando-se, porém, todo o universo do eleitorado (incluindo votos nulos, brancos e não comparecimento/sem opinião), Marina teve 17,65% enquanto as pesquisas davam a ela 16% dos votos no total do eleitorado.
- Tem um pouquinho que pode ser atribuído à onda verde? Pode. Mas o tanto que ocorreu imprevisível em relação a ela é de 1,75, absolutamente dentro da margem de erro!
Como explicar, então, a diferença das previsões em relação à Dilma, líder nas pesquisas? Guedes afirma que está concluindo um estudo a respeito, mas aponta a abstenção maior no Nordeste e Norte como o fator determinante.
Segundo os cálculos de Guedes, a abstenção somada a votos brancos e nulos no Nordeste foi igual a 29,34% dos eleitores da região. O Norte teve abstenção de 25,03 enquanto a média brasileira foi de 25,19% e no Sul foi de 21,13%. Isso prejudicaria Dilma, uma vez que ela tem uma porcentagem maior de votos entre os eleitores nordestinos.
- Isso desproporciona o voto. Nós vamos agora ponderar o que ocorreu nas eleições como se a abstenção tivesse sido a mesma em todas as regiões. Aí nós teríamos os resultados corretos do que seria se a abstenção fosse uniforme. Eu acredito que os resultados que nós vamos obter serão equivalentes aos da boca de urna do Ibope - explica Guedes.
Os possíveis motivos dessa abstenção, porém, são difíceis de explicar. "Não foi a chuva, porque só choveu no sudeste e centro-oeste onde o Serra ganhou", brinca o pesquisador.