Maquiavel dizia que uma parte da política é passível de ser controlada por estratégias e lances arquitetados. Já uma outra parte é indeterminada, imprevisível e indomada, como a sorte. Pois foi a sorte que deu os novos contornos da disputa presidencial. De forma inesperada, Marina recebeu milhões de votos de última hora e levou a eleição para o segundo turno de forma intempestiva.
O “efeito Marina” está sendo sentido no processo eleitoral. Serra e Dilma estão buscando uma aproximação da candidata e, conseqüentemente, dos seus eleitores. Mas o caminho não é tão fácil. O problema é a heterogeneidade do eleitorado de Marina, que é composto por “petistas clássicos” desiludidos, conservadores evangélicos, progressistas ambientalistas, insatisfeitos como PT e PSDB, ex-votantes de Dilma que se assustaram com o caso Erenice e grupos de intelectuais. É possível agradar a todos?
Não. Marina não possui um “pacotinho” de votos com o qual possa negociar uma agenda com os outros candidatos. A tendência é que seus eleitores não se atenham à posição manifestada por ela para definirem seus votos, mas que busquem informações adicionais e decidam com autonomia.
Dilma e Serra sabem disso. No entanto, acreditam que a regra não vale para um segmento particular: o grupo conservador. De acordo com seus estrategistas, os evangélicos especialmente estariam mais acostumados a decisões do tipo “top-down”. Por isso, na primeira semana que marcou o início do segundo turno, os candidatos concentraram suas baterias na afirmação dos seus valores morais e religiosos.
Serra indica que tentará liderar uma cruzada moralista/conservadora contra o PT, esperando que a força de velhos tabus superem os argumentos econômicos que sustentam a posição de seus adversários. Em clara atitude de defesa, Dilma hasteou na última hora uma bandeira pró-vida, manifestando-se freqüentemente sobre o assunto e pedindo à população que não duvide dos seus valores cristãos.
A questão conservadora se traduziu em uma discussão rasa sobre o aborto. As conseqüências desse processo são imprevisíveis. Quanto radicalismo de direita Dilma e Serra, líderes históricos da esquerda, poderão sustentar? O irônico disso tudo é que Marina Silva, pivô dessa virada à direita, não se posicionou sobre a questão do aborto. Sempre que era questionada sobre o assunto, apresentava a saída lacônica da realização de um plebiscito.
Resta saber o quê Serra e Dilma farão com o restante das estímulos gerados por Marina: serão mais espontâneos e naturais nos debates? Incorporarão o desenvolvimento ambientalmente sustentável nas suas agendas de governo? E para onde vai Marina? Seus outros temas são eleitoralmente importantes? A sorte pode ter trazido Serra e Dilma para o segundo turno. Mas é a virtú, como diria Maquiavel, a habilidade pessoal de cada candidato de lidar com o as condições determinadas pelo destino é que determinará quem vencerá na eleição pós-Marina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário