Para quê reforma política? Essa é uma pergunta séria, mas que ainda não foi feita com cuidado pelos interessados no tema. Daí a impressão que discute-se a adoção dos sistemas eleitorais x, y e z como que por puro fetiche. Antes de alterar a espinha dorsal do modelo brasileiro, é necessário construir um diagnóstico preciso daquilo que precisa ser mudado e daquilo que funciona e deve ser mantido.
Deve-se refutar a idéia de que o Brasil vive uma crise profunda do sistema político. Não vive. Os governantes se sucedem. Há governabilidade, representatividade e as eleições são feitas com regularidade. De modo geral, as disputas são transparentes e honestas.
Então, quais são os problemas? Há duas dificuldades estruturais: o alto preço que se paga pelo seu funcionamento e o descrédito das pessoas em relação à cena política.
O sistema eleitoral é caro. Esse é um fator de exclusão, pois pessoas sem recursos quase não possuem chances reais de serem eleitas. Além disso, o preço de uma campanha é uma porta aberta para a corrupção. Para corrigir esse problema, o financiamento público exclusivo é uma saída. Mas não é a única. Pode-se adotar, como alternativa, limites máximos a serem gastos em uma campanha. Por exemplo, determinar que uma empreitada para deputado federal não passe de R$ 60 mil (valor escolhido só para fins ilustrativos).
Outra medida pode ser proibir doação de empresas e permitir somente a entrada de dinheiro oferecido por pessoas físicas, também com limite de valor. Nos Estados Unidos funciona assim. A vantagem é dificultar a ação de empresários interessados em negócios com o Estado.
Outra questão que encarece o nosso sistema é o número excessivo de partidos e a dificuldade de formar coalizões de governo. A moeda de troca para essas alianças são cargos e indicações. Compartilhar o governo com aliados é natural. Ninguém governa sozinho. Mas a distribuição de postos foi banalizada, exagerada e é feita sem critérios.
Isso onera o contribuinte duas vezes. Primeiro, paga-se o salário. E, no caso de se nomear um pessoa sem competência, paga-se de novo para alguém fazer o trabalho dele. Uma solução seria a limitação de um percentual máximo de nomeações possíveis, como 1% do total de funcionários públicos concursados, por exemplo. Caso essa medida fosse adotada, a presidente da República poderia nomear cerca de 5.000 pessoas. Isso seria quase o dobro da quantidade de vagas que são disponibilizadas para o presidente dos EUA distribuir!
Caso se queira reduzir o número de partidos, não é necessário criar cláusulas de barreiras. Basta impedir que os partidos se coliguem nas eleições proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais). Os partidos de aluguel teriam muita dificuldade para atingir o quociente e só as legendas com enraizamento social alcançariam representação. Outra vantagem seria o aumento da identificação entre eleitores e partidos, algo impossível quando os candidatos se escondem por detrás de coligações que não possuem sentido.
Para aumentar a confiança dos brasileiros, a medida mais importante é criar mecanismos de controle e punição da corrupção. Isso acontecerá por vias institucionais e legais. É preciso reduzir o tempo de julgamento de autoridades denunciadas pela corrupção.Isso pode acontecer pela reforma do processo penal ou pela criação de ritos específicos para esses casos. Sem falar do aumento das penas.
No âmbito institucional, é preciso vetar a relação incestuosa que o Executivo mantém com o Legislativo. Atualmente, é muito comum ver parlamentares servindo como secretários de governo. Além de causar a distorções do corpo de eleitos que saiu das urnas, isso acaba com a autonomia do poder Legislativo que, entre suas funções mais importantes, está a de fiscalizar prefeitos, governadores e presidentes. Afinal, como parlamentares podem vigiar um governo ao qual eles servem?
Há outros ajustes que podem ser propostos. Mas todos caminham na trilha do aperfeiçoamento, e não da ruptura.
28 março 2011
23 março 2011
Acho que a Veja deveria se pronunciar sobre esse delay!
LEITURAS DE VEJA
A entrevista escondida
Por Washington Araújo em 22/3/2011
Existem notícias que nos fazem rever o conceito do valor-notícia. Estou com isto em mente após ler a entrevista que o ex-governador José Roberto Arruda (DF) concedeu em setembro de 2010 à revista Veja. Na entrevista, Arruda decidiu dar uma espécie de freio de arrumação em suas estripulias heterodoxas como governador do Distrito Federal: atuou como principal protagonista no festival de vídeos dirigido pelo ex-delegado de polícia Durval Barbosa e que tratavam de um único tema: a corrupção graúda correndo solta nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Distrito Federal.
Na entrevista publicada na quarta-feira (17/3) no sítio de Veja encontramos o ex-governador desarrumando as biografias de seus antigos companheiros de partido, pessoas como os senadores Agripino Maia, Demóstenes Torres, Cristovam Buarque e até o sempre correto Marco Maciel. Não faltaram mísseis dirigidos aos deputados ACM Neto, Rodrigo Maia e Ronaldo Caiado. E também ao presidente do PSDB, o agora deputado Sérgio Guerra. Na fala de Arruda sobra ressentimento e, mesmo tendo passado alguns meses, ainda trai uma certa conotação de vingança.
Não. Não estou desmerecendo o valor de uma única palavra de Arruda nessa entrevista. Após ler os desmentidos de todos os novos citados no escândalo conhecido como o "panetone do DEM" (ver, neste Observatório, "Panetones na Redação" e "Mídia encara corrida de obstáculos"), confesso que nenhum me convenceu: a defesa esteve muito inferior ao ataque desferido e onde as palavras deveriam ser adjetivas conformaram-se como nada mais que substantivas. Naquele velho diapasão do "nada como tudo o mais além, ainda mais em se tratando deste assunto, muito pelo contrário". Ou seja, a bateria antimíssil deixou muito a desejar e, considerando a virulência verbal dos agora acusados de receberem apoio financeiro no mínimo com "origem suspeita", os desmentidos surgem como bolhas de sabão que tanto animam festas infantis. Desmancham-se no ar.
Miúdos e graúdos
O que me causou profunda estranheza nessa entrevista nem foi seu conteúdo, menos ainda seu personagem. O que me deixou perplexo, com todas as pulgas aninhadas em volta da orelha, foi o timing da publicação da entrevista. Por que Veja, tendo entrevistado o ex-governador em setembro de 2010, somente agora, quase 190 dias depois, resolveu levá-la ao conhecimento de seu público leitor? O ponto é que o mais robusto episódio de explícita corrupção, o único escândalo com tão formidável aparato midiático, com dezenas de vídeos reproduzidos nos principais telejornais do Brasil, merecia ter um tratamento realmente jornalístico: descobrindo-se novos fatos, novos meliantes, novas falcatruas, tudo teria que vir à luz, a tempo e a hora.
Convém refrescar a memória com essas autoexplicativas manchetes dos principais jornais brasileiros no dia 28/11/2009:
** O Globo: "Governador do DEM é suspeito de pagar propina a deputados". E diz que "PF grava José Roberto Arruda negociando repasse de dinheiro com assessor";
** Folha de S.Paulo: "Governo do DF é acusado de corrupção";
** O Estado de S.Paulo: "Polícia flagra ‘mensalão do DEM’ no governo do DF". E diz que o esquema "teria até mesmo participação do governador Arruda".
No dia seguinte, 29/11/2009, as manchetes continuaram com tintas denunciatórias:
** O Globo teve como manchete principal "PF: Arruda distribuía R$ 600 mil todo mês";
** Folha de S.Paulo optou por "Documento liga vice-governador do DF a esquema de corrupção";
** O Estado de S.Paulo não deixou por menos: "Em vídeo, Arruda recebe R$ 50 mil".
E, para concluir essa sessão "refresca memória", compartilho as manchetes dos jornalões no dia 30/11/2009:
** O Globo abriu sua edição com a manchete "Arruda: TSE vê indício de caixa 2";
** Folha de S.Paulo destacou na primeira página: "Vídeos mostram aliados de Arruda recebendo dinheiro";
** O Estado de S. Paulo abriu manchete com "Vídeos ‘letais’ levam DEM a preparar expulsão de Arruda", destacando em subtítulo que "Provas contundentes da PF deixam governador em situação insustentável".
** Até o fluminense Jornal do Brasil passou a tratar do assunto com a importância que o assunto requeria: "Aliados deixam Arruda isolado".
Tudo bem, este foi o início da divulgação do escândalo. E, como sempre acontece, o início de todo escândalo político tende a ser megapotencializado. É assim aqui no Brasil, na Itália, no Reino Unido, no mundo todo. No caso atual, pela primeira vez um governador no Brasil esteve trancafiado por tão longo tempo: 60 dias, de 11 de fevereiro a 12 de abril de 2010. A carceragem se deu na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília.
Antes de completar um ano de sua divulgação, o escândalo produziu a cassação de mandatos de diversos deputados distritais, a renúncia de um senador da República, a instauração de diversos inquéritos para apurar responsabilidades de políticos miúdos e graúdos e também de procuradores do Ministério Público do Distrito Federal.
E foi nesse meio tempo que, segundo os advogados de Arruda, em setembro de 2010, o ex-governador concedeu a entrevista ao carro-chefe da Editora Abril. O que as teclas de meu micro querem saber é por que Veja escondeu comprometedora entrevista de Arruda.
Insidiosa, rastejante
Tenho exposto aqui neste Observatório minhas teses sobre a forma e o modus operandi de como a imprensa, a grande imprensa, tem se comportado como agremiação político-partidária. E essa defasagem de mais de seis meses entre a data da entrevista e a data de sua divulgação é de chamar a atenção.
Quais as reais motivações para que fosse esquecida, largada na gaveta de um editor aparentemente displicente? Por onde andaria aquele polvo-caçador-de-corruptos-no-Planalto que não deu a mínima trela para essa entrevista? Ninguém na redação deVeja considerou um mísero grama de valor-notícia para buscar a versão dos "novos acusados"? Ou seria mais um desserviço à campanha presidencial de José Serra? Desserviço que, com certeza, cobriria tal campanha de portentosa agenda negativa, incluindo sob suspeição até mesmo o presidente de seu partido.
Todos sabemos que o papel da imprensa é informar a população. Aprendemos isso ainda nos primeiros dias de aula de qualquer curso de jornalismo, mesmo aqueles chamados "meia-boca". Por que à população brasileira foram suprimidas tais informações?
É, não é necessário muitos decênios de madura experiência como analista da política brasileira para entender que dentre as mil possíveis razões para que ocorresse tal ocultação uma delas sobressai, insidiosa, sibilina, rastejante: a entrevista de Arruda, que hoje causa apenas perplexidade, publicada em setembro de 2010 traria em seu cerne forte componente explosivo capaz de desarrumar por completo o pleito presidencial de 2010.
Mas, como dizem nossos oráculos da imprensa... o leitor vem sempre em primeiro lugar.
A entrevista escondida
Por Washington Araújo em 22/3/2011
Existem notícias que nos fazem rever o conceito do valor-notícia. Estou com isto em mente após ler a entrevista que o ex-governador José Roberto Arruda (DF) concedeu em setembro de 2010 à revista Veja. Na entrevista, Arruda decidiu dar uma espécie de freio de arrumação em suas estripulias heterodoxas como governador do Distrito Federal: atuou como principal protagonista no festival de vídeos dirigido pelo ex-delegado de polícia Durval Barbosa e que tratavam de um único tema: a corrupção graúda correndo solta nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Distrito Federal.
Na entrevista publicada na quarta-feira (17/3) no sítio de Veja encontramos o ex-governador desarrumando as biografias de seus antigos companheiros de partido, pessoas como os senadores Agripino Maia, Demóstenes Torres, Cristovam Buarque e até o sempre correto Marco Maciel. Não faltaram mísseis dirigidos aos deputados ACM Neto, Rodrigo Maia e Ronaldo Caiado. E também ao presidente do PSDB, o agora deputado Sérgio Guerra. Na fala de Arruda sobra ressentimento e, mesmo tendo passado alguns meses, ainda trai uma certa conotação de vingança.
Não. Não estou desmerecendo o valor de uma única palavra de Arruda nessa entrevista. Após ler os desmentidos de todos os novos citados no escândalo conhecido como o "panetone do DEM" (ver, neste Observatório, "Panetones na Redação" e "Mídia encara corrida de obstáculos"), confesso que nenhum me convenceu: a defesa esteve muito inferior ao ataque desferido e onde as palavras deveriam ser adjetivas conformaram-se como nada mais que substantivas. Naquele velho diapasão do "nada como tudo o mais além, ainda mais em se tratando deste assunto, muito pelo contrário". Ou seja, a bateria antimíssil deixou muito a desejar e, considerando a virulência verbal dos agora acusados de receberem apoio financeiro no mínimo com "origem suspeita", os desmentidos surgem como bolhas de sabão que tanto animam festas infantis. Desmancham-se no ar.
Miúdos e graúdos
O que me causou profunda estranheza nessa entrevista nem foi seu conteúdo, menos ainda seu personagem. O que me deixou perplexo, com todas as pulgas aninhadas em volta da orelha, foi o timing da publicação da entrevista. Por que Veja, tendo entrevistado o ex-governador em setembro de 2010, somente agora, quase 190 dias depois, resolveu levá-la ao conhecimento de seu público leitor? O ponto é que o mais robusto episódio de explícita corrupção, o único escândalo com tão formidável aparato midiático, com dezenas de vídeos reproduzidos nos principais telejornais do Brasil, merecia ter um tratamento realmente jornalístico: descobrindo-se novos fatos, novos meliantes, novas falcatruas, tudo teria que vir à luz, a tempo e a hora.
Convém refrescar a memória com essas autoexplicativas manchetes dos principais jornais brasileiros no dia 28/11/2009:
** O Globo: "Governador do DEM é suspeito de pagar propina a deputados". E diz que "PF grava José Roberto Arruda negociando repasse de dinheiro com assessor";
** Folha de S.Paulo: "Governo do DF é acusado de corrupção";
** O Estado de S.Paulo: "Polícia flagra ‘mensalão do DEM’ no governo do DF". E diz que o esquema "teria até mesmo participação do governador Arruda".
No dia seguinte, 29/11/2009, as manchetes continuaram com tintas denunciatórias:
** O Globo teve como manchete principal "PF: Arruda distribuía R$ 600 mil todo mês";
** Folha de S.Paulo optou por "Documento liga vice-governador do DF a esquema de corrupção";
** O Estado de S.Paulo não deixou por menos: "Em vídeo, Arruda recebe R$ 50 mil".
E, para concluir essa sessão "refresca memória", compartilho as manchetes dos jornalões no dia 30/11/2009:
** O Globo abriu sua edição com a manchete "Arruda: TSE vê indício de caixa 2";
** Folha de S.Paulo destacou na primeira página: "Vídeos mostram aliados de Arruda recebendo dinheiro";
** O Estado de S. Paulo abriu manchete com "Vídeos ‘letais’ levam DEM a preparar expulsão de Arruda", destacando em subtítulo que "Provas contundentes da PF deixam governador em situação insustentável".
** Até o fluminense Jornal do Brasil passou a tratar do assunto com a importância que o assunto requeria: "Aliados deixam Arruda isolado".
Tudo bem, este foi o início da divulgação do escândalo. E, como sempre acontece, o início de todo escândalo político tende a ser megapotencializado. É assim aqui no Brasil, na Itália, no Reino Unido, no mundo todo. No caso atual, pela primeira vez um governador no Brasil esteve trancafiado por tão longo tempo: 60 dias, de 11 de fevereiro a 12 de abril de 2010. A carceragem se deu na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília.
Antes de completar um ano de sua divulgação, o escândalo produziu a cassação de mandatos de diversos deputados distritais, a renúncia de um senador da República, a instauração de diversos inquéritos para apurar responsabilidades de políticos miúdos e graúdos e também de procuradores do Ministério Público do Distrito Federal.
E foi nesse meio tempo que, segundo os advogados de Arruda, em setembro de 2010, o ex-governador concedeu a entrevista ao carro-chefe da Editora Abril. O que as teclas de meu micro querem saber é por que Veja escondeu comprometedora entrevista de Arruda.
Insidiosa, rastejante
Tenho exposto aqui neste Observatório minhas teses sobre a forma e o modus operandi de como a imprensa, a grande imprensa, tem se comportado como agremiação político-partidária. E essa defasagem de mais de seis meses entre a data da entrevista e a data de sua divulgação é de chamar a atenção.
Quais as reais motivações para que fosse esquecida, largada na gaveta de um editor aparentemente displicente? Por onde andaria aquele polvo-caçador-de-corruptos-no-Planalto que não deu a mínima trela para essa entrevista? Ninguém na redação deVeja considerou um mísero grama de valor-notícia para buscar a versão dos "novos acusados"? Ou seria mais um desserviço à campanha presidencial de José Serra? Desserviço que, com certeza, cobriria tal campanha de portentosa agenda negativa, incluindo sob suspeição até mesmo o presidente de seu partido.
Todos sabemos que o papel da imprensa é informar a população. Aprendemos isso ainda nos primeiros dias de aula de qualquer curso de jornalismo, mesmo aqueles chamados "meia-boca". Por que à população brasileira foram suprimidas tais informações?
É, não é necessário muitos decênios de madura experiência como analista da política brasileira para entender que dentre as mil possíveis razões para que ocorresse tal ocultação uma delas sobressai, insidiosa, sibilina, rastejante: a entrevista de Arruda, que hoje causa apenas perplexidade, publicada em setembro de 2010 traria em seu cerne forte componente explosivo capaz de desarrumar por completo o pleito presidencial de 2010.
Mas, como dizem nossos oráculos da imprensa... o leitor vem sempre em primeiro lugar.
22 março 2011
21 março 2011
Reforma Política: ela é mesmo necessária?
POLÍTICA (retirado do blog do Noblat)
Modelo aprovado?
No momento em que se discute a reforma política, especialmente a do sistema eleitoral, dois trabalhos vêm jogar água na fervura, defendendo teses similares apesar de serem distintos em sua origem e objetivos. O cientista político Marcus André Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, acha que o sistema eleitoral brasileiro precisa de poucas alterações — como o fim das coligações proporcionais — e defende a tese de que a representação proporcional é mais democrática, porque a lista aberta permite atribuir maior responsabilidade ao eleito, e o eleitor pode punir o parlamentar.
Já um trabalho da agência de avaliação de riscos americana Standard & Poor’s sobre os Brics — Brasil, Rússia, Índia e China — chega à conclusão de que o sólido sistema político brasileiro ajuda a neutralizar nossa fraqueza fiscal.
Na opinião dos analistas da agência americana, os fatores qualitativos da democracia brasileira dão grande suporte aos problemas econômicos que o país ainda vive.
O cientista político Marcus Melo ressalta que a lista fechada, proposta defendida com ardor pelo PT, é um dos fatores institucionais que incentivam a corrupção.
Quanto ao sistema majoritário, que engloba o voto distrital e o "distritão", ele diz que a patologia desse sistema é que ele exclui as minorias, sem falar na manipulação da definição dos distritos, uma das razões da dificuldade de se chegar a um acordo sobre o tema.
Melo adverte que a literatura internacional de melhor qualidade mostra que o ideal não é que os partidos sejam fortalecidos, mas o equilíbrio do sistema em duas vertentes: que seja realmente representativo, sem favorecer sub-representação, o que ocorre geralmente, segundo ele, nos sistemas majoritários, e garanta certa eficiência governativa, produzindo atores que depois atuem no Legislativo.
Na sua opinião, não é desejável ter um sistema de partidos fortíssimos, o que é preciso é que o partido tenha representatividade sem que isso leve a fragmentação muito grande do Congresso.
Marcus Melo diz que a tendência histórica é o sistema proporcional, introduzido generalizadamente na grande onda de reformas políticas ocorridas nas primeiras décadas do século XX.
Naquela época, todos os sistemas eram majoritários, e houve então uma onda em que os sistemas majoritários foram sendo substituídos por sistemas proporcionais, na busca de maior representatividade.
No nosso modelo atual, na visão do cientista político pernambucano, não temos o problema de termos um sistema partidário excessivamente fragmentado como na Filipinas, por exemplo, que é o caso mais extremo.
Lá qualquer pessoa pode se candidatar por qualquer partido, querendo o partido ou não, é o cúmulo do individualismo, diz ele.
Mas também não temos uma das patologias fundamentais do sistema representativo, que surge nos sistemas em que as lideranças representam a si próprias e não mantêm porosidade em relação às bases. "As lideranças partidárias funcionam como máfias", comenta Melo, referindo-se à adoção das listas fechadas.
Para ele, a lista aberta como no Brasil favorece o individualismo do candidato, ele é que define sua campanha, "mas a brincadeira acaba quando o parlamentar é eleito. O Legislativo funciona todo em bases partidárias".
Temos atualmente 28 partidos com representação no Congresso, mas, na definição de Marcus Melo, "só contam seis ou sete".
O grande problema do Brasil, para ele, é ter um presidente eleito majoritariamente que tem prerrogativas de toda natureza: propor orçamento, toda medida tributária e financeira é de sua iniciativa exclusiva, tem o poder da medida provisória, de contingenciar o orçamento.
"O presidente é muito poderoso no Brasil, e, se o sistema político ficar mais oligopolizado, com a lista fechada, isso dará um poder a quem estiver no governo extraordinário."
Seria preciso corrigir também a distorção na representação dos estados, especialmente na Câmara. Na Alemanha, lembra Marcus Melo, o número de senadores não é o mesmo, os maiores estados têm mais representantes.
Na Argentina a distorção é maior ainda que a nossa, avalia o cientista político, exemplificando com o fato de a Tierra del Fuego ter a mesma representação que a província de Buenos Aires, onde mora a metade da população do país.
Segundo ele, essa distorção na Câmara favorece mais o Norte e o Centro-Oeste. O Nordeste, ao contrário do que dizem, não está sobrerrepresentado, em sua opinião.
Já o relatório da Standard & Poor’s mostra que os países dos Brics têm pouco em comum em seus principais indicadores econômicos, a não ser o tamanho.
De fato, apenas cinco países do mundo têm mais que dois milhões de quilômetros quadrados, mais de cem milhões de habitantes e tem mais de US$ 600 bilhões de PIB: os Estados Unidos e os quatro países dos Brics: Brasil, Rússia, Índia e China.
Na opinião dos analistas da agência americana, o Brasil é o mais fraco dos quatro em alguns aspectos, principalmente na sua flexibilidade fiscal, mas seu "forte e estável" sistema político ajuda a equilibrar essas fraquezas.
Na análise do documento, "um bem resolvido e estável sistema democrático, que transfere o poder entre administrações de diferentes tendências políticas, já testado, é o fator mais crítico a apoiar a avaliação do Brasil e a diferenciá-lo dos demais países dos Brics".
"Mesmo que o sistema político brasileiro não leve a mudanças rápidas na economia, permitindo um crescimento maior, ele reduz significativamente os riscos do país", avalia a Standard & Poor’s.
18 março 2011
Entrevista de Arruda à Veja! (ou... extrema unção de um político brasileiro).
O senhor é corrupto?
Infelizmente, joguei o jogo da política brasileira. As empresas e os lobistas ajudam nas campanhas para terem retorno, por meio de facilidades na obtenção de contratos com o governo ou outros negócios vantajosos. Ninguém se elege pela força de suas ideias, mas pelo tamanho do bolso. É preciso de muito dinheiro para aparecer bem no programa de TV. E as campanhas se reduziram a isso.
O senhor ajudou políticos do seu ex-partido, o DEM?
Assim que veio a público o meu caso, as mesmas pessoas que me bajulavam e recebiam a minha ajuda foram à imprensa dar declarações me enxovalhando. Não quiseram nem me ouvir. Pessoas que se beneficiaram largamente do meu mandato. Grande parte dos que receberam ajuda minha comportaram-se como vestais paridas. Foram desleais comigo.
Como o senhor ajudou o partido?
Eu era o único governador do DEM. Recebia pedidos de todos os estados. Todos os pedidos eu procurei atender. E atendi dos pequenos favores aos financiamentos de campanha. Ajudei todos.
O que senhor quer dizer com “pequenos favores”?
Nomear afilhados políticos, conseguir avião para viagens, pagar programas de TV, receber empresários.
E o financiamento?
Deixo claro: todas as ajudas foram para o partido, com financiamento de campanha ou propaganda de TV. Tudo sempre feito com o aval do deputado Rodrigo Maia (então presidente do DEM).
De que modo o senhor conseguia o dinheiro?
Como governador, tinha um excelente relacionamento com os grandes empresários. Usei essa influência para ajudar meu partido, nunca em proveito próprio. Pedia ajuda a esses empresários: “Dizia: ‘Olha, você sabe que eu nunca pedi propina, mas preciso de tal favor para o partido’”. Eles sempre ajudaram. Fiz o que todas as lideranças políticas fazem. Era minha obrigação como único governador eleito do DEM.
Esse dinheiro era declarado?
Isso somente o presidente do partido pode responder. Se era oficialmente ou não, é um problema do DEM. Eu não entrava em minúcias. Não acompanhava os detalhes, não pegava em dinheiro. Encaminhava à liderança que havia feito o pedido.
Quais líderes do partido foram hipócritas no seu caso?
A maioria. Os senadores Demóstenes Torres e José Agripino Maia, por exemplo, não hesitaram em me esculhambar. Via aquilo na TV e achava engraçado: até outro dia batiam à minha porta pedindo ajuda! Em 2008, o senador Agripino veio à minha casa pedir 150 mil reais para a campanha da sua candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Sousa (PV). Eu ajudei, e até a Micarla veio aqui me agradecer depois de eleita. O senador Demóstenes me procurou certa vez, pedindo que eu contratasse no governo uma empresa de cobrança de contas atrasadas. O deputado Ronaldo Caiado, outro que foi implacável comigo, levou-me um empresário do setor de transportes, que queria conseguir linhas em Brasília.
O senhor ajudou mais algum deputado?
O próprio Rodrigo Maia, claro. Consegui recursos para a candidata à prefeita dele e do Cesar Maia no Rio, em 2008. Também obtive doações para a candidatura de ACM Neto à prefeitura de Salvador.
Mais algum?
Foram muitos, não me lembro de cabeça. Os que eu não ajudei, o Kassab (prefeito de São Paulo, também do DEM) ajudou. É assim que funciona. Esse é o problema da lógica financeira das campanhas, que afeta todos os políticos, sejam honestos ou não.
Por exemplo?
Ajudei dois dos políticos mais decentes que conheço. No final de 2009, fui convidado para um jantar na casa do senador Marco Maciel. Estávamos eu, o ex-ministro da Fazenda Gustavo Krause e o Kassab. Krause explicou que, para fazer a pré-campanha de Marco Maciel, era preciso 150 mil reais por mês. Eu e Kassab, portanto, nos comprometemos a conseguir, cada um, 75 mil reais por mês. Alguém duvida da honestidade do Marco Maciel? Claro que não. Mas ele precisa se eleger. O senador Cristovam Buarque, do PDT, que eu conheço há décadas, um dos homens mais honestos do Brasil, saiu de sua campanha presidencial, em 2006, com dívidas enormes. Ele pediu e eu ajudei.
Então o senhor também ajudou políticos de outros partidos?
Claro. Por amizade e laços antigos, como no caso do PSDB, partido no qual fui líder do Congresso no governo FHC, e por conveniências regionais, como no caso do PT de Goiás, que me apoiava no entorno de Brasília. No caso do PSDB, a ajuda também foi nacional. Ajudei o PSDB sempre que o senador Sérgio Guerra, presidente do partido, me pediu. E também por meio de Eduardo Jorge, com quem tenho boas relações. Fazia de coração, com a melhor das intenções.
Para mim, essa entrevista selou o disgnóstico que tenho sobre o Arruda: um baita de um sociopata amoral!
17 março 2011
Avaliação de políticas públicas!
Avaliação de políticas públicas é objeto de pesquisa
A cientista política Marta Arretche vem desenvolvendo importantes pesquisas na área de avaliação de políticas públicas no Brasil, principalmente políticas sociais. Ela acredita que o interesse acadêmico no funcionamento do Estado brasileiro permite avançar no conhecimento sobre a nossa realidade. Para ela, as pesquisas empíricas permitem superar as interpretações baseadas num reduzido conhecimento efetivo e. essas pesquisas podem auxiliar aos que operam a máquina pública. As pesquisas que Arretche e outros pesquisadores da área vêm desenvolvendo também podem fornecer base de informação para a gestão do Estado. Atualmente, a pesquisadora se dedica à pesquisa e ensino na Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), campus de Araraquara.
ComCiência - É possível "medir" a eficiência das políticas públicas adotadas no Brasil? A senhora poderia explicar como isso é feito e salientar as principais etapas? Quais fontes de dados podem ser consideradas seguras para a avaliação das políticas adotadas no Brasil?
Marta Arretche - É preciso, em primeiro lugar, saber o que se entende por "medir" a eficiência de uma política. Na linguagem de avaliação de políticas, convencionou-se dizer que a eficiência de uma política está associada à relação entre o esforço para implementá-la e os resultados alcançados. Há técnicas estatísticas de avaliação de eficiência que permitem estimar esta relação, sim. É claro que são sempre aproximações e estimativas que dependem em grande parte da confiabilidade das informações e dados com os quais se conta. A confiabilidade e disponibilidade dos dados, por sua vez, varia muito em função da política pública em questão. Nas áreas de saúde e educação, por exemplo, nós temos muito mais informação disponível do que possibilidade de analisá-la. Em outras áreas, há uma grande deficiência de informações, o que obriga o investigador a trabalhar com dados aproximativos. Não é possível listar uma fonte ou fontes seguras de dados. A utilidade dos dados disponíveis depende muito da política e do problema em questão. Mas é certo que no Brasil avançamos muitíssimo nos últimos anos no que diz respeito à quantidade, qualidade e confiabilidade dos dados disponíveis para pesquisas de avaliação.
ComCiência - Qual a importância social e econômica de se conhecer os resultados das políticas públicas adotadas no Brasil?
Arretche - Há uma importância política fundamental, que é de ordem democrática. Ao implementar políticas públicas, o governo gasta dinheiro que não é seu, mas do contribuinte. Assim, a avaliação de políticas públicas é a forma pela qual o governo pode prestar contas à sociedade pelo uso de recursos que são públicos. Do ponto de vista do cidadão, a avaliação permite o controle social sobre o uso de recursos que são, em última instância, da sociedade. Em segundo lugar, o emprego mais eficiente de recursos públicos implica, na prática, a maximização de recursos, na medida em que tem como conseqüência, que um maior número de beneficiários pode ser atingido com um mesmo volume de recursos. Somente avaliações tecnicamente bem feitas podem responder com segurança a questões desta natureza.
ComCiência - As avaliações que vêm sendo feitas atualmente no Brasil são eficientes? Como estão as pesquisas acadêmicas sobre a avaliação de políticas públicas no Brasil? Como os resultados dessas pesquisas podem otimizar as avaliações?
Arretche - É impossível falar "das avaliações" em geral, como que se elas fossem um conjunto homogêneo. Há boas e más avaliações, assim como há avaliações objetivas e avaliações inteiramente tendenciosas. No Brasil, há um interesse crescente nessa área de investigação e há excelentes equipes tanto no meio acadêmico como em institutos independentes de pesquisa, assim como em órgãos do governo. Têm se multiplicado as equipes de avaliação, assim como os seminários, encontros e cursos nessa área. As avaliações sobre os resultados das políticas aplicadas indicam que há uma relação positiva entre a credibilidade da fonte e a aceitação da avaliação. Também a utilidade das avaliações depende em grande parte da percepção sobre quem as realiza e da influência do receptor interno ao órgão governamental que está sendo avaliado. Por fim, considera-se que a forma pela qual a informação sobre a avaliação é compartilhada entre os vários atores interessados é de fundamental importância para a influência que os resultados da avaliação possam vir a exercer. Em tese, uma avaliação é considerada boa quando é útil (isto é, refere-se a uma política de relevância), é oportuna (isto é, é realizada em tempo hábil); é ética (isto é, foi realizada com critérios e medidas justos e apropriados) e é precisa (isto é, empregou procedimentos adequados).
ComCiência - A importância dada nos países do primeiro mundo para a avaliação das políticas públicas adotadas é maior que nos países do terceiro mundo? Por quê?
Arretche - Penso que a diferença mais importante diz respeito à longevidade dos regimes democráticos, isto é, a tradição de avaliação diz menos respeito ao nível de riqueza de um país e, mais à necessidade de prestar contas à sociedade. Penso que a competição política e o controle dos eleitores sobre o desempenho dos governos tende a estimular pesquisas de avaliações das políticas públicas. No Brasil, nós tivemos essa experiência. O interesse pelos estudos de avaliação de políticas cresceu tremendamente com a democratização e a competição eleitoral.
ComCiência - Quais os principais atores envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas no Brasil? Qual o papel e contribuição desses atores para melhorar a eficiência dessas políticas no país e como a participação popular direta na avaliação pode contribuir para melhorar o planejamento dessas políticas?
Arretche - Os atores envolvidos na formulação e implementação de políticas variam enormemente de acordo com a política em questão. Há políticas que envolvem um número reduzido de atores, ao passo que outras, como é o caso da política de saúde, por exemplo, envolve os três níveis de governo, organismos internacionais, provedores privados de serviços, a indústria farmacêutica e hospitalar, assim como seguradoras privadas. Somente a análise de cada política particular pode listar os atores envolvidos, seus papéis e sua importância para a avaliação. Em algumas políticas, a participação popular tem se revelado de enorme importância. Essa participação pode ocorrer sob diversas formas, desde o preenchimento de questionários de consulta sobre o grau de satisfação da população com o serviço recebido até a organização de grupos permanentes de avaliação do desempenho de uma dada política.
ComCiência - Como as diferenças regionais entre os estados brasileiros são consideradas nas avaliações nacionais das políticas públicas?
Arretche - Há uma tradição no Brasil de considerar as diversidades regionais na avaliação de políticas. Isto se deve às enormes disparidades que caracterizam as regiões brasileiras. Entretanto, os estudos mais recentes têm revelado que o recorte regional "esconde" desigualdades no interior das regiões e a agregação analítica por regiões pode comprometer a análise. Outros estudos, ainda, têm revelado que as políticas e ações empreendidas pelos governos locais, dada sua autonomia federativa pós-88, têm se revelado muito importantes. Há governos locais em regiões muito pobres que têm revelado um desempenho superior ao de governos locais em regiões mais ricas.
ComCiência - Pensando no contexto político-econômico dos últimos 10 anos, qual o perfil que as políticas públicas brasileiras vêm adquirindo? Quais são as perspectivas para o futuro?
Arretche- É muito difícil falar das políticas públicas em geral. Em termos muito gerais, podemos dizer que há fortes tendências no Brasil em direção à descentralização, à participação do cidadão sob a forma de conselhos os mais diversos, à introdução de mecanismos de parceria com o setor privado, à privatização, à introdução de mecanismos regulatórios estatais e assim por diante. Mas isso é ainda muito genérico, pois varia de acordo com o tipo de política. É mais difícil ainda falar de perspectivas para o futuro. As tendências acima mencionadas não são tendências universais, mas opções de governo. Isso quer dizer que a alternância de governos, que é própria às regras do jogo democrático, pode implicar uma reversão dessas tendências num futuro próximo.
15 março 2011
Mais da saga partidária brasileira (retirado da Folha)!
Liberais de fachada
SÃO PAULO - Não há mais partidos "liberais" no Brasil. Reportagem de Uirá Machado e Mauricio Puls, na Folha de ontem, mostrou que a partir da redemocratização, em 1985, das oito legendas que usaram a expressão "liberal" no nome só resta o nanico PSL, "social liberal".
O PL se fundiu com o Prona e virou PR em 2006; o PFL resolveu ser Democratas em 2007. O primeiro cresceu à sombra dos governos Lula e Dilma. O segundo mingua porque não consegue sobreviver na oposição. Ambos são partidos de direita. E nenhum dos dois nunca foi, a rigor, "liberal". São variações do clientelismo brasileiro.
"Liberal" é uma marca em desuso. Em termos substantivos, o liberalismo por aqui nunca passou de fantasia retórica, mais ou menos conveniente às elites dirigentes, conforme o período histórico.
Já fomos escravocratas na prática e "liberais" no discurso; ainda hoje somos, em grande medida, reféns do patrimonialismo, apesar dos ares modernizadores depois de quase duas décadas de hegemonia política de PSDB e PT. Em parte, ambos foram assimilados pelas forças do atraso, com as quais convivem em relativa harmonia, sempre em nome da "governabilidade".
O fato é que ainda somos bastante conservadores, embora nosso último partido "conservador" tenha morrido com a República Velha. O atual "consenso social-democrata" que se formou no país com FHC e Lula merecerá mesmo esse nome?
Não, se pensarmos no Estado de Bem-Estar Social e na universalização de direitos básicos que ele pressupõe. Nossas escolas públicas não ensinam, nossos hospitais públicos ainda maltratam seus doentes. Um programa de exceção, como o Bolsa Família, que serve de paliativo para aplacar a miséria extrema, se tornou a grande vitrine social do lulismo. Social-democracia, isso?
Temos, se tanto, um Estado de Mal-Estar Social. Parece, ainda, um problema bem mais sério que os muxoxos dos liberais de fachada à procura da identidade perdida.
SÃO PAULO - Não há mais partidos "liberais" no Brasil. Reportagem de Uirá Machado e Mauricio Puls, na Folha de ontem, mostrou que a partir da redemocratização, em 1985, das oito legendas que usaram a expressão "liberal" no nome só resta o nanico PSL, "social liberal".
O PL se fundiu com o Prona e virou PR em 2006; o PFL resolveu ser Democratas em 2007. O primeiro cresceu à sombra dos governos Lula e Dilma. O segundo mingua porque não consegue sobreviver na oposição. Ambos são partidos de direita. E nenhum dos dois nunca foi, a rigor, "liberal". São variações do clientelismo brasileiro.
"Liberal" é uma marca em desuso. Em termos substantivos, o liberalismo por aqui nunca passou de fantasia retórica, mais ou menos conveniente às elites dirigentes, conforme o período histórico.
Já fomos escravocratas na prática e "liberais" no discurso; ainda hoje somos, em grande medida, reféns do patrimonialismo, apesar dos ares modernizadores depois de quase duas décadas de hegemonia política de PSDB e PT. Em parte, ambos foram assimilados pelas forças do atraso, com as quais convivem em relativa harmonia, sempre em nome da "governabilidade".
O fato é que ainda somos bastante conservadores, embora nosso último partido "conservador" tenha morrido com a República Velha. O atual "consenso social-democrata" que se formou no país com FHC e Lula merecerá mesmo esse nome?
Não, se pensarmos no Estado de Bem-Estar Social e na universalização de direitos básicos que ele pressupõe. Nossas escolas públicas não ensinam, nossos hospitais públicos ainda maltratam seus doentes. Um programa de exceção, como o Bolsa Família, que serve de paliativo para aplacar a miséria extrema, se tornou a grande vitrine social do lulismo. Social-democracia, isso?
Temos, se tanto, um Estado de Mal-Estar Social. Parece, ainda, um problema bem mais sério que os muxoxos dos liberais de fachada à procura da identidade perdida.
04 março 2011
Texto interessante.. momento de transição partidária!
O segundo momento dos partidos pós-79
Política
Autora: Maria Inês Nassif
Valor Econômico - 03/03/2011 p. A-6
Este é o segundo momento do quadro partidário brasileiro. O primeiro
começou em 1979, quando a ditadura acabou com o bipartidarismo criado pelo
Ato Institucional nº 2, de 1966, que extinguiu o quadro partidário
anterior. A implosão da esquerda peemedebista, de um lado, em vários
partidos; o esvaziamento eleitoral do PDS, legenda de apoio à ditadura, e
a tentativa de formar "linhas auxiliares" de um governo ainda militar, de
outro, definiram um quadro partidário com tendência à pulverização, tantoà
esquerda como à direita.
O PMDB, esvaziado à esquerda, manteve sua centralidade política como
herdeiro da oposição institucional ao regime durante algum tempo, quando
boa parte do chamado grupo autêntico, que botou a cara para bater e correu
riscos inclusive físicos de seopor à ditadura, migrava para outras
legendas sem levar junto o prestígio do antigo partido.
Enquanto o centro oposicionista defendia manter a unidade em torno do
PMDB, a esquerda, exceto os partidos comunistas, que ainda não haviam sido
legalizados, procurou novos rumos. Vindos do exílio, Leonel Brizola e
Miguel Arraes reuniram partidários e procuraram consolidar territórios
próprios - Brizola, como herdeiro do velho petebismo, perdeu a legenda do
PTB devido a manobras legais do regime e fundou o Partido Democrático
Trabalhista (PDT); Arraes, sem conseguir ganhar espaço dentro doPMDB, sua
primeira escolha partidária, acabou tomando o PSB. PDT e PSB nasceram em
torno de lideranças carismáticas e viveram sob o controle absoluto de
Brizola e Arraes. O PT, que vinha da experiência do movimento sindical dos
anos 80 e atraiu grupos da esquerda mais radical e os movimentos de base
da igreja progressista, teve uma origem menos personalista.
O ex-governador de Pernambuco fez um herdeiro, o atual governador Eduardo
Campos. Ele toca o PSB ao estilo do avô. Quando Brizola morreu, sem ter
deixado sucessores naturais - embora vários de seus netos estejam na
política -, jogou o PDT numa profunda crise. O brizolismo é uma opção
política em extinção; o PDT, um partido sem rumo.
O PSB, todavia, foi levado pelo pragmatismo do avô Miguel Arraes, e agora
pelo neto Eduardo Campos. Arraes manteve suas pretensões políticas dentro
dos limites de Pernambuco e fez acordos para ampliar o partido em outros
Estados. Manteve uma equação política de absoluta hegemonia na política
pernambucana, quebrada pouco antes de sua morte por desgastes acumulados
em sucessivos períodos no governo; e controle total sobre as seções
estaduais, que manipulava de acordo com os seus interesses regionais e
nacionais. Alianças reiteradas nas eleições proporcionais com o PT
mantiveram o partido dentro dos limites mínimos de representação exigidos
pela lei, depois derrubados pelo Supremo Tribunal Federal. Arraes atraiu,
em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, quando ela rachou com o seu
partido de origem, o PT; na Bahia, levou um núcleo que sempre atuou junto
ao PCdoB e que girava em torno da ex-prefeita Lídice da Mata. Erundina e
Lídice mantiveram-se no PSB por absoluta falta de opção, mas tinham
discordâncias acentuadas quanto à forma de condução do partido por Arraes.
Voltam a entrar na linha de confronto com as articulações de Eduardo
Campos para cooptação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, hoje no
DEM. Nãoé uma adesão confortável para quadros efetivamente socialistas do
partido.
O pragmatismo do neto de Arraes tem mantido o partido em crescimento,
embora sob constante crise de identidade. O PDT, acostumado a funcionar
sob a batuta de um único líder, não tinha ninguém que minimamente
desempenhasse o papel antes exercidopor Brizola, nem mecanismos de decisão
internos democráticos que o substituíssem. Os partidos comunistas, que
ganharam identidade própria apenas após o governo José Sarney, quando
foram legalizados, também sobreviveram na órbita de partidos maiores - o
PCdoB ganhou representação parlamentar às custas de alianças proporcionais
com o PT; o PCB, depois PPS, agora mantém essa equação com o PSDB, embora
tenha feito, no passado, algumas alianças com o PT.
O quadro partidário pós-Lula já é um segundo momento daquele formado
pós-79, no final da ditadura. Os partidos que se consolidaram e polarizam
na política nacional, o PT e o PSDB, vivem crises de identidade - o
primeiro, por ser governo; o segundo, por estar a tanto tempo fora do
poder federal. Os pequenos partidos de esquerda, alguns perderam as
lideranças que lhe davam rumo e outros, a organicidade dada por ideologias
que entraram em crise no mundo e projetos de poder que foram assumidos
pelopartido que exerceu a hegemonia sobre o bloco nas últimas décadas, o
PT. A direita ideológica, em especial o DEM, montou uma estrutura
partidária baseada em chefes políticos locais, e eles perderam espaço nas
regiões mais pobres durante o governoLula. Os líderes regionais não estão
conseguindo se reaproximar dos velhos redutos - daí a tentativa de Kassab
de driblar a lei para se encontrar, mais na frente, com um partido a sua
esquerda, o PSB, e por meio dele compor a base do governo federal.
É um quadro que, por exaustão de algumas fórmulas tradicionais de
organização partidária, tende a ser menos pulverizado. E vai ser
concentrado rapidamente quando for proibida a coligação nas eleições
proporcionais. Exceto o PSB, por pragmatismo de Campos, os demais partidos
de esquerda dependem da coligação proporcional para sobreviver. Da mesma
forma, os pequenos partidos de direita aliados ao governo terão
dificuldade de manter suas bancadas. Os médios e pequenos partidos de
direita que se apoiam no PSDB estão com o mesmo problema. Já foram
praticamente desalojados pela derrota do candidato José Serra à
Presidência. E têm dificuldades de sobreviver fora do poder. A aproximação
deles ao governo era previsível. Ainda assim, se a coligação proporcional
for proibida, não há governo que os salve.
Política
Autora: Maria Inês Nassif
Valor Econômico - 03/03/2011 p. A-6
Este é o segundo momento do quadro partidário brasileiro. O primeiro
começou em 1979, quando a ditadura acabou com o bipartidarismo criado pelo
Ato Institucional nº 2, de 1966, que extinguiu o quadro partidário
anterior. A implosão da esquerda peemedebista, de um lado, em vários
partidos; o esvaziamento eleitoral do PDS, legenda de apoio à ditadura, e
a tentativa de formar "linhas auxiliares" de um governo ainda militar, de
outro, definiram um quadro partidário com tendência à pulverização, tantoà
esquerda como à direita.
O PMDB, esvaziado à esquerda, manteve sua centralidade política como
herdeiro da oposição institucional ao regime durante algum tempo, quando
boa parte do chamado grupo autêntico, que botou a cara para bater e correu
riscos inclusive físicos de seopor à ditadura, migrava para outras
legendas sem levar junto o prestígio do antigo partido.
Enquanto o centro oposicionista defendia manter a unidade em torno do
PMDB, a esquerda, exceto os partidos comunistas, que ainda não haviam sido
legalizados, procurou novos rumos. Vindos do exílio, Leonel Brizola e
Miguel Arraes reuniram partidários e procuraram consolidar territórios
próprios - Brizola, como herdeiro do velho petebismo, perdeu a legenda do
PTB devido a manobras legais do regime e fundou o Partido Democrático
Trabalhista (PDT); Arraes, sem conseguir ganhar espaço dentro doPMDB, sua
primeira escolha partidária, acabou tomando o PSB. PDT e PSB nasceram em
torno de lideranças carismáticas e viveram sob o controle absoluto de
Brizola e Arraes. O PT, que vinha da experiência do movimento sindical dos
anos 80 e atraiu grupos da esquerda mais radical e os movimentos de base
da igreja progressista, teve uma origem menos personalista.
O ex-governador de Pernambuco fez um herdeiro, o atual governador Eduardo
Campos. Ele toca o PSB ao estilo do avô. Quando Brizola morreu, sem ter
deixado sucessores naturais - embora vários de seus netos estejam na
política -, jogou o PDT numa profunda crise. O brizolismo é uma opção
política em extinção; o PDT, um partido sem rumo.
O PSB, todavia, foi levado pelo pragmatismo do avô Miguel Arraes, e agora
pelo neto Eduardo Campos. Arraes manteve suas pretensões políticas dentro
dos limites de Pernambuco e fez acordos para ampliar o partido em outros
Estados. Manteve uma equação política de absoluta hegemonia na política
pernambucana, quebrada pouco antes de sua morte por desgastes acumulados
em sucessivos períodos no governo; e controle total sobre as seções
estaduais, que manipulava de acordo com os seus interesses regionais e
nacionais. Alianças reiteradas nas eleições proporcionais com o PT
mantiveram o partido dentro dos limites mínimos de representação exigidos
pela lei, depois derrubados pelo Supremo Tribunal Federal. Arraes atraiu,
em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, quando ela rachou com o seu
partido de origem, o PT; na Bahia, levou um núcleo que sempre atuou junto
ao PCdoB e que girava em torno da ex-prefeita Lídice da Mata. Erundina e
Lídice mantiveram-se no PSB por absoluta falta de opção, mas tinham
discordâncias acentuadas quanto à forma de condução do partido por Arraes.
Voltam a entrar na linha de confronto com as articulações de Eduardo
Campos para cooptação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, hoje no
DEM. Nãoé uma adesão confortável para quadros efetivamente socialistas do
partido.
O pragmatismo do neto de Arraes tem mantido o partido em crescimento,
embora sob constante crise de identidade. O PDT, acostumado a funcionar
sob a batuta de um único líder, não tinha ninguém que minimamente
desempenhasse o papel antes exercidopor Brizola, nem mecanismos de decisão
internos democráticos que o substituíssem. Os partidos comunistas, que
ganharam identidade própria apenas após o governo José Sarney, quando
foram legalizados, também sobreviveram na órbita de partidos maiores - o
PCdoB ganhou representação parlamentar às custas de alianças proporcionais
com o PT; o PCB, depois PPS, agora mantém essa equação com o PSDB, embora
tenha feito, no passado, algumas alianças com o PT.
O quadro partidário pós-Lula já é um segundo momento daquele formado
pós-79, no final da ditadura. Os partidos que se consolidaram e polarizam
na política nacional, o PT e o PSDB, vivem crises de identidade - o
primeiro, por ser governo; o segundo, por estar a tanto tempo fora do
poder federal. Os pequenos partidos de esquerda, alguns perderam as
lideranças que lhe davam rumo e outros, a organicidade dada por ideologias
que entraram em crise no mundo e projetos de poder que foram assumidos
pelopartido que exerceu a hegemonia sobre o bloco nas últimas décadas, o
PT. A direita ideológica, em especial o DEM, montou uma estrutura
partidária baseada em chefes políticos locais, e eles perderam espaço nas
regiões mais pobres durante o governoLula. Os líderes regionais não estão
conseguindo se reaproximar dos velhos redutos - daí a tentativa de Kassab
de driblar a lei para se encontrar, mais na frente, com um partido a sua
esquerda, o PSB, e por meio dele compor a base do governo federal.
É um quadro que, por exaustão de algumas fórmulas tradicionais de
organização partidária, tende a ser menos pulverizado. E vai ser
concentrado rapidamente quando for proibida a coligação nas eleições
proporcionais. Exceto o PSB, por pragmatismo de Campos, os demais partidos
de esquerda dependem da coligação proporcional para sobreviver. Da mesma
forma, os pequenos partidos de direita aliados ao governo terão
dificuldade de manter suas bancadas. Os médios e pequenos partidos de
direita que se apoiam no PSDB estão com o mesmo problema. Já foram
praticamente desalojados pela derrota do candidato José Serra à
Presidência. E têm dificuldades de sobreviver fora do poder. A aproximação
deles ao governo era previsível. Ainda assim, se a coligação proporcional
for proibida, não há governo que os salve.
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