O segundo momento dos partidos pós-79
Política
Autora: Maria Inês Nassif
Valor Econômico - 03/03/2011 p. A-6
Este é o segundo momento do quadro partidário brasileiro. O primeiro
começou em 1979, quando a ditadura acabou com o bipartidarismo criado pelo
Ato Institucional nº 2, de 1966, que extinguiu o quadro partidário
anterior. A implosão da esquerda peemedebista, de um lado, em vários
partidos; o esvaziamento eleitoral do PDS, legenda de apoio à ditadura, e
a tentativa de formar "linhas auxiliares" de um governo ainda militar, de
outro, definiram um quadro partidário com tendência à pulverização, tantoà
esquerda como à direita.
O PMDB, esvaziado à esquerda, manteve sua centralidade política como
herdeiro da oposição institucional ao regime durante algum tempo, quando
boa parte do chamado grupo autêntico, que botou a cara para bater e correu
riscos inclusive físicos de seopor à ditadura, migrava para outras
legendas sem levar junto o prestígio do antigo partido.
Enquanto o centro oposicionista defendia manter a unidade em torno do
PMDB, a esquerda, exceto os partidos comunistas, que ainda não haviam sido
legalizados, procurou novos rumos. Vindos do exílio, Leonel Brizola e
Miguel Arraes reuniram partidários e procuraram consolidar territórios
próprios - Brizola, como herdeiro do velho petebismo, perdeu a legenda do
PTB devido a manobras legais do regime e fundou o Partido Democrático
Trabalhista (PDT); Arraes, sem conseguir ganhar espaço dentro doPMDB, sua
primeira escolha partidária, acabou tomando o PSB. PDT e PSB nasceram em
torno de lideranças carismáticas e viveram sob o controle absoluto de
Brizola e Arraes. O PT, que vinha da experiência do movimento sindical dos
anos 80 e atraiu grupos da esquerda mais radical e os movimentos de base
da igreja progressista, teve uma origem menos personalista.
O ex-governador de Pernambuco fez um herdeiro, o atual governador Eduardo
Campos. Ele toca o PSB ao estilo do avô. Quando Brizola morreu, sem ter
deixado sucessores naturais - embora vários de seus netos estejam na
política -, jogou o PDT numa profunda crise. O brizolismo é uma opção
política em extinção; o PDT, um partido sem rumo.
O PSB, todavia, foi levado pelo pragmatismo do avô Miguel Arraes, e agora
pelo neto Eduardo Campos. Arraes manteve suas pretensões políticas dentro
dos limites de Pernambuco e fez acordos para ampliar o partido em outros
Estados. Manteve uma equação política de absoluta hegemonia na política
pernambucana, quebrada pouco antes de sua morte por desgastes acumulados
em sucessivos períodos no governo; e controle total sobre as seções
estaduais, que manipulava de acordo com os seus interesses regionais e
nacionais. Alianças reiteradas nas eleições proporcionais com o PT
mantiveram o partido dentro dos limites mínimos de representação exigidos
pela lei, depois derrubados pelo Supremo Tribunal Federal. Arraes atraiu,
em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, quando ela rachou com o seu
partido de origem, o PT; na Bahia, levou um núcleo que sempre atuou junto
ao PCdoB e que girava em torno da ex-prefeita Lídice da Mata. Erundina e
Lídice mantiveram-se no PSB por absoluta falta de opção, mas tinham
discordâncias acentuadas quanto à forma de condução do partido por Arraes.
Voltam a entrar na linha de confronto com as articulações de Eduardo
Campos para cooptação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, hoje no
DEM. Nãoé uma adesão confortável para quadros efetivamente socialistas do
partido.
O pragmatismo do neto de Arraes tem mantido o partido em crescimento,
embora sob constante crise de identidade. O PDT, acostumado a funcionar
sob a batuta de um único líder, não tinha ninguém que minimamente
desempenhasse o papel antes exercidopor Brizola, nem mecanismos de decisão
internos democráticos que o substituíssem. Os partidos comunistas, que
ganharam identidade própria apenas após o governo José Sarney, quando
foram legalizados, também sobreviveram na órbita de partidos maiores - o
PCdoB ganhou representação parlamentar às custas de alianças proporcionais
com o PT; o PCB, depois PPS, agora mantém essa equação com o PSDB, embora
tenha feito, no passado, algumas alianças com o PT.
O quadro partidário pós-Lula já é um segundo momento daquele formado
pós-79, no final da ditadura. Os partidos que se consolidaram e polarizam
na política nacional, o PT e o PSDB, vivem crises de identidade - o
primeiro, por ser governo; o segundo, por estar a tanto tempo fora do
poder federal. Os pequenos partidos de esquerda, alguns perderam as
lideranças que lhe davam rumo e outros, a organicidade dada por ideologias
que entraram em crise no mundo e projetos de poder que foram assumidos
pelopartido que exerceu a hegemonia sobre o bloco nas últimas décadas, o
PT. A direita ideológica, em especial o DEM, montou uma estrutura
partidária baseada em chefes políticos locais, e eles perderam espaço nas
regiões mais pobres durante o governoLula. Os líderes regionais não estão
conseguindo se reaproximar dos velhos redutos - daí a tentativa de Kassab
de driblar a lei para se encontrar, mais na frente, com um partido a sua
esquerda, o PSB, e por meio dele compor a base do governo federal.
É um quadro que, por exaustão de algumas fórmulas tradicionais de
organização partidária, tende a ser menos pulverizado. E vai ser
concentrado rapidamente quando for proibida a coligação nas eleições
proporcionais. Exceto o PSB, por pragmatismo de Campos, os demais partidos
de esquerda dependem da coligação proporcional para sobreviver. Da mesma
forma, os pequenos partidos de direita aliados ao governo terão
dificuldade de manter suas bancadas. Os médios e pequenos partidos de
direita que se apoiam no PSDB estão com o mesmo problema. Já foram
praticamente desalojados pela derrota do candidato José Serra à
Presidência. E têm dificuldades de sobreviver fora do poder. A aproximação
deles ao governo era previsível. Ainda assim, se a coligação proporcional
for proibida, não há governo que os salve.
04 março 2011
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