“O projeto de Lei de Responsabilidade Orçamentária, que se encontra na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), pretende revolucionar o processo de elaboração dos orçamentos públicos - da União, dos Estados e dos municípios -, aproximar os procedimentos contábeis das práticas do setor privado e dar um novo giro nos torniquetes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Passados dez anos da aprovação da LRF, está claro onde ela funcionou, os flancos abertos e as regulamentações ainda por fazer.
De autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o projeto de lei complementar passou por uma fusão com as propostas do senador Renato Casagrande (PSB-ES) e o substitutivo foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em dezembro. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) é o relator na CAE.
Nos seus 138 artigos, os autores pregam uma mudança radical na forma como se conduz o orçamento no Executivo e no Legislativo: o governo subestima as receitas, o Congresso inventa novas projeções de arrecadação para abrigar as milhares de emendas parlamentares, o governo responde com o contingenciamento do gasto e forma-se um guichê de negócios entre governo e parlamento, onde o primeiro libera as verbas para o segundo cada vez que precisa da aprovação de algum projeto. Um campo propício para a proliferação dos "anões" do Orçamento, do escândalo dos sanguessugas e toda a sorte de corrupção.
Para acabar com o esconde-inventa receitas, o projeto sugere a criação de um comitê com metade de seus membros vindos do Executivo e a outra metade de representantes do Legislativo e da sociedade civil. Ao comitê caberia estimar as receitas que vão constar da proposta orçamentária. O Congresso só poderia alterá-las se constatasse erros e o uso de eventuais excessos ficaria bastante restrito. Do lado das despesas, as mudanças também são fundamentais para romper com as práticas que levam o Congresso a aprovar, em média, mais de 10 mil emendas por ano ao Orçamento.
Caberia exclusivamente aos deputados apresentar emendas individuais, limitadas a dez por mandato e proibida a indicação de entidade privada como beneficiária. O teto para as emendas individuais seria de 0,3% da receita corrente líquida. As emendas de bancadas seriam assinadas só pelos três representantes da bancada de senadores, restringindo-se a uma por Estado. O conjunto das 27 emendas não poderia superar o teto de 0,2% da receita.
O governo seria obrigado a liberar os recursos das emendas parlamentares. A execução mandatória das emendas, segundo o economista José Roberto Afonso, que assessora Dornelles nessa discussão e foi um dos autores da LRF, faria com que a execução do Orçamento fosse menos política e mais técnica. As Comissões Temáticas Permanentes da Câmara seriam responsáveis pela apreciação das emendas. À Comissão Mista de Orçamento caberia a coordenação macroeconômica.
O governo teria que montar um banco de projetos com estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental já concluídos. Só os empreendimentos nesse estágio poderiam entrar no Orçamento. A conta de restos a pagar, que hoje representa um verdadeiro orçamento paralelo (de cerca de R$ 90 bilhões) passaria a ter limites e regras de cancelamento de 3 meses para os gastos de custeio e 6 meses para os de investimentos.
A Lei de Responsabilidade Fiscal tem uma série de problemas. O governo não regulamentou o limite de endividamento da União, restrição imposta hoje apenas aos Estados e municípios. O projeto sugere que ou o governo federal cria limites ao endividamento do Tesouro Nacional ou acabam os tetos para governadores e prefeitos. Também não instituiu o Conselho de Gestão Fiscal e deixou uma série de brechas para interpretações de ocasião. Tem sido comum, por exemplo, a retirada dos gastos com aposentadorias dos servidores da folha de pagamento, para facilitar o enquadramento da despesa de pessoal nos limites da lei.
É corriqueiro, também, fazer vistas grossas a um dos princípios da LRF, de que novas despesas só podem ser criadas com receitas previamente definidas. Não há punição para quem transgride essa regra. Há, portanto, uma lista de correções a fazer. É preciso uniformizar os conceitos de apuração de receitas e despesas e dar maior transparência ao Orçamento, advoga Afonso. A lei 4.320, que rege os orçamentos, foi sancionada em 10 de março de 1964, pouco antes do golpe militar. À época, era ousada por adotar o regime de competência na apuração das despesas, o que os países da OCDE só começaram a fazer nos anos 80 e 90.
A Constituição de 1988 criou instrumentos novos, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano Plurianual (PPA). O Orçamento Anual (LOA) passou a discriminar as contas fiscais, previdência social e os investimento das empresas estatais e tornou-se o principal documento com as prioridades do governo federal (antes disputava com o orçamento monetário). A democratização do país resgatou o papel do Legislativo na discussão e decisão sobre os gastos do governos. A carta remetia a regulação desses novos elementos para uma lei complementar que só agora começa a tramitar.
Os secretários de Fazenda das capitais formaram um grupo de trabalho para tratar do tema. Seminários foram feitos e há mais de dez audiências públicas previstas. Os ministros da Fazenda e do Planejamento devem comparecer em abril à CAE para discutir a proposta. Não se espera aprovação para este ano, mas até agora o projeto de lei complementar andou rápido. Em seis meses foi analisado e aprovado pela Comissão de CCJ por unanimidade, indicando que é um assunto suprapartidário
A nova lei, se aprovada, pode influir sobre a forma como os governos, hoje, constroem maioria no Congresso. Seu debate transcende a questão orçamentária e, ao mudar práticas e vícios, a lei pode ser mais salutar para o saneamento da política do que a própria reforma política.”
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