04 julho 2011

Exemplo sobre como um descuido estatístico pode levar o governo a estimar mal os parâmetros de programas governamentais!

A falsa miséria estatística
O Estado de S. Paulo/BR
Domingo, 03 de julho de 2011

José de Souza Martins

Análises meramente econômicas e numéricas ignoram a poderosa tendência do pobre de compartilhar e ajudar

Nas últimas semanas a opinião pública foi abastecida com indicadores opostos sobre a situação material dos brasileiros. Os dados do Censo de 2010, que balizam as ações do novo programa governamental Brasil sem Miséria, computam 16,267 milhões de miseráveis, 8,5% da população brasileira, uma Holanda inteira, gente cuja renda familiar mensal, quando muito, alcança R$ 70. No interior desse grupo há até os miseráveis dos miseráveis, aqueles cuja renda é de até R$ 39 por mês, pouco mais de R$ 1 por dia, basicamente os tostões que a gente chuta quando caem do bolso furado, aqueles tostões que nem vale a pena curvar-se para recolher. Como há, ainda, os supermiseráveis, os 4,8 milhões de pessoas que no Censo não aparecem com renda alguma.

Aí a coisa se complica. Quem vai acreditar, em sã consciência, que quase 5 milhões de pessoas possam sobreviver sem renda alguma? Posso acreditar que haja pessoas dependentes financeiramente de terceiros, especialmente idosos, doentes e menores, que, não obstante serem de uma família, moram em casa separada da dos provedores. Nesse caso, o dado mostra um defeito na concepção estatística de família e moradia, que não corresponde ao que são numa sociedade de tradições patriarcais, a família como instituição plurilocal baseada numa economia condominial. É preciso não confundir a estatística da miséria com a miséria da estatística.

A secretária para Superação da Extrema Pobreza esclareceu que outras formas de renda não são levadas em conta nesta fase de divulgação do Censo, caso da agricultura de subsistência. Essa forma de renda não é renda. Renda é o ganho que passa pela mediação da forma dinheiro. Portanto, os dados em que vai se basear o programa Brasil sem Miséria já apontam um defeito de compreensão da realidade brasileira que repercutirá na própria concepção das medidas que preconiza. Compreende-se, pois, que, nas representações gráficas dos dados estatísticos, o Norte e o Nordeste constituam um oceano de deplorável miséria. E que o Sul e o Sudeste constituam um oceano de escandalosa prosperidade.

Para compreender essas anomalias estatísticas é preciso levar em conta que a economia brasileira é historicamente uma economia dual. Nem todos dependem de rendimentos monetários para viver. São numerosos, ainda, na roça, aqueles para os quais os ganhos monetários, muito variáveis, aliás, não constituem propriamente o decisivo na sobrevivência da família. Nela a subsistência da família é assegurada prioritariamente pela produção direta dos meios de vida. Então, sim, pode-se entender que uma família até viva sem nenhuma renda monetária nessa economia peculiar que denomino de economia do excedente (e não de subsistência), em que parte da produção própria é consumida em casa e parte é comercializada. Seria ficção medir em dinheiro o que não circulou no mercado.

No lado oposto ao da miséria, a pesquisa da FGV sobre a nova classe média, ou o lado brilhante do pobre, divulgada nessa semana, inunda o cenário com um otimismo numérico luminoso. Se os dados do Censo aqui apontados falam de um Brasil que submerge, os dados sobre a nova classe média dizem que, dentre os países emergentes, o Brasil é o que mais emerge. O grau de felicidade futura do brasileiro indicado pelo Gallup é o maior do mundo. Quem estuda sociologicamente o tema da fé no Brasil tomaria o maior cuidado com essa informação superficial e subjetiva. É que, sendo o brasileiro um povo no geral místico, raramente verbaliza pessimismo que possa indicar falta de fé, na suposição de que inviabiliza aquilo que se espera e deseja.

A criação de quase 800 mil empregos líquidos de janeiro a abril, que a pesquisa menciona, certamente é o melhor fator de otimismo para a nova classe média estatística. Mas é pouco provável que essa parcela da população não tenha tomado consciência, no vivencial, de que desde 2010, no mesmo período, o número de empregos formais venha caindo. Ainda assim, é bom indício de que alguma coisa esteja dando certo na economia, o fato de que os rendimentos dos mais pobres venham crescendo mais do que o PIB nacional. A melhora comparativamente significativa dos seus rendimentos em relação à dos mais ricos, porém, apenas nos indica que, num país com alta proporção de miseráveis, quaisquer R$ 10 podem dobrar a renda de uma família, elevando o índice de sua ascensão estatística. Mas é muito provável que na população mais pobre a melhora tenha seu melhor êxito no fortalecimento do caráter condominial da economia das famílias pobres, que sendo no geral de origem rural, carregam consigo uma poderosa tradição de compartilhar e ajudar. Que as análises meramente econômicas e estatísticas desdenhem esse poderoso traço cultural do pobre, como desdenham a economia do excedente, antes mencionada, empobrece as interpretações porque subestimam um capital cultural decisivo no seu efeito multiplicador nas economias duais como a nossa.

JOSÉ DE SOUZA MARTINS, SOCIÓLOGO E PROFESSOR EMÉRITO DA USP, É AUTOR DE A POLÍTICA DO BRASIL LÚMPEN E MÍSTICO (CONTEXTO, 2011)

13 junho 2011

Essa é a grande fronteira da política...


Internet é arma política para 71% dos jovens

Pesquisa mostra que rede se firma como ferramenta de mobilização alternativa

DE SÃO PAULO


Descontentes com as instituições políticas tradicionais, os jovens brasileiros consolidaram a internet como instrumento alternativo para mobilização social, mostra pesquisa feita pelo Datafolha em parceira com a agência de publicidade Box.
Para 71% dos entrevistados, é possível fazer política usando a rede sem intermediários, como os partidos.
O dado, segundo especialistas ouvidos pela Folha, revela um esgotamento do modelo tradicional de mobilização e impõe um desafio aos que pretendem assumir a representação dos jovens.
A pesquisa compreendeu uma fase qualitativa, a que se seguiu um painel quantitativo. Neste, foram entrevistados 1.200 jovens com idade entre 18 e 24 anos, em cidades de quatro regiões do país.
"Esse jovem pensa a política de forma menos hierárquica e mostra uma descrença em relações às instituições formais, como partidos ou governo", diz Gabriel Milanez, pesquisador da Box.
O sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que "a juventude se comunica diretamente". "Ela salta instituições. É preciso uma liderança que faça a ponte entre a sociedade e a necessidade de organização institucional", disse à Folha.
Exemplos desse "salto" ficaram frequentes no noticiário dos últimos meses.
No Egito, por exemplo, a imagem da praça Tahrir tomada por manifestantes organizados pela internet tornou-se símbolo da queda do ex-presidente Hosni Mubarak. No Brasil, em proporção ainda reduzida, o poder de mobilização das redes sociais também já aparece.
Por fora dos partidos e das organizações tradicionais da juventude, organizaram-se protestos como as marchas da Maconha e da Liberdade, assim como o Churrascão da Gente Diferenciada, contra moradores de Higienópolis, na capital paulista, que fizeram oposição à construção de uma estação de metrô.
Para o professor de filosofia da USP Vladimir Safatle, são eventos que apontam para um momento de transição.
"A forma partidária chegou a um esgotamento e as demandas vão se expressar de uma nova forma. Há, no entanto, uma questão em aberto, que diz respeito a como a sociedade vai se organizar a partir daí", diz.
Marco Magri, um dos coordenadores da Marcha da Maconha e ativista de outros movimentos organizados pela rede, reconhece a "falência" do que chama de "política institucional". "O descontentamento com esse modelo se reflete no tamanho das mobilizações que anônimos conseguem promover."
"Essa política tradicional está fadada a perder espaço. E a nós caberá o desafio de levar aqueles que se mobilizam na internet às ruas, que é o que provoca algum resultado", avalia.
(DANIELA LIMA)

Comentário: por que a internet vai aumentar a ação política? Basicamente porque ela reduz o custo da ação coletiva. É mais barato (em termos de tempo) participar via internet. Agora, ela é efetiva? Eu acredito que, na medida em que a internet se consolidar como principal meio de comunicação e informação, o mundo virtual vai se equivaler ao mundo real em termos de importância política e isso vai exigir uma adaptação brutal das atuais instituições representativas.

30 maio 2011

Pobre PSDB! (texto extraído da Folha de hoje)

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Festinha do PSDB

SÃO PAULO - Vista de perto, a crise dos tucanos é ainda mais constrangedora. Estive anteontem na convenção do partido. As palavras de ordem mais ouvidas na entrada do evento eram "Brasil, urgente, Marconi presidente!". Repetida entre apitaços pela militância amarelinha de Goiás, a gritaria contratada não deixava de ser um retrato do ponto a que chegou o PSDB.
Horas antes da convenção, já na madrugada de sábado, Serra, de São Paulo, ameaçava não ir a Brasília. Havia convencido Alckmin e FHC a acompanhá-lo no boicote. Do outro lado, Sérgio Guerra e Aécio Neves insistiam em dar a presidência do ITV (Instituto Teotônio Vilela) a Tasso Jereissati.
Assim foi feito. Mas não sem uma nova discussão a portas fechadas entre os caciques, da qual Serra saiu direto para a convenção na condição de presidente do conselho político que o partido inventou para acomodá-lo. Não se pode dizer que o grupo de Aécio ganhou a disputa interna de lavada porque o tal conselho recebeu atribuições maiores (na definição de alianças e candidaturas, por exemplo) do que havia sido previsto inicialmente.
O que chama atenção nisso tudo é o caráter cada vez mais paroquial da fogueira das vaidades entre os tucanos. No meio da crise envolvendo Palocci, na semana em que o governo escancarou a debilidade da sua articulação política, o PSDB esteve se engalfinhando para... saber quem vai controlar o ITV. "Brasil, urgente, Marconi presidente!".
Como se fosse possível animar o encontro, havia no salão um grupo de batucada com meia dúzia de meninotas sambando descalças. Eram as representantes do "povão".
No final, depois do teatro dos discursos que exaltaram a "unidade do partido", Aécio pegou o microfone e puxou um "Parabéns a Você" em homenagem a FHC, que fará 80 anos em junho. Todos cantaram meio sem jeito. Fiquei com a sensação de que, se houvesse um bolo ali, a tucanada iria disputar no tapa para ver quem apagava as velinhas.

24 maio 2011

Ótimo texto (mais um!) de Paulo Kramer!

Palocci salvo pelas manchetes"

Já tendo se apresentado e até se tornado íntima de magnatas como Jorge Gerdau e Abílio Diniz, entre outros, Dilma agora depende de Palocci bem menos do que dependia há um ano. Agora, é ele quem está pendurado na indulgência dela"
Na última semana, duas fontes credibilíssimas - uma, cardeal da base parlamentar governista; a outra, consultor político respeitado pelo mercado financeiro - me asseguraram que o destino de Palocci, a curto prazo, dependeria do que as capas das revistas dominicais publicariam ou, principalmente, do que elas omitiriam.

Se meus confidentes estiverem certos, então a cabeça do ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Antonio Palocci, continuará sobre o pescoço (pelo menos, até que uma aparente compulsão destrutiva volte a colocá-lo em maus lençóis.) Como ensinava o falecido embaixador Azeredo da Silveira, chanceler do governo Geisel, tem gente que atravessa a rua só pelo estranho prazer de escorregar numa casca de banana jogada na calçada em frente.

Vale conferir as manchetes deste domingo:

- Veja: atraso nas obras dos estádios para a Copa do Mundo de 2014;
- IstoÉ: a 'privatização' da Polícia Federal;
- Época: o mito da felicidade, e
- IstoÉ/Dinheiro: o escândalo camareiragate do ex-diretor-gerente do FMI Dominique Strauss-Kahn.

Como eu já previa, somente a Carta Capital, contente com seu papel de Izvestia (órgão oficioso da tirania soviética, quando o órgão oficial do PCUS era o Pravda) do partido-governo petista, manchetou: "QUEM, EU? Ele mesmo, Antonio Palocci, pego em flagrante".

Minha leitura: este é mais um escândalo alimentado pelo fogo amigo do PT. E, nas entrelinhas: a maioria dos segmentos da elite política e empresarial do país ainda está disposta a evitar a queda do ministro.

Por ora, Palocci está salvo; maquiavelicamente falando, porém, não é mais capaz de reverter uma sutil e profunda inversão de papéis nas suas relações com a presidente da República.

Um pequeno exercício pró-memória. Quando, no início da campanha presidencial de 2010, a candidata Dilma Rousseff ainda era um enigma cravejado de interrogações e embrulhado num mistério, foi ele quem endossou o novo atestado ideológico da ex-guerrilheira perante os donos do dinheiro aqui e lá fora. Como já o havia feito oito anos antes ao redigir - e persuadir o candidato Luiz Inácio Lula da Silva a assinar - a famosa Carta ao Povo Brasileiro, mais conhecida como documento 'sossega-banqueiro'. Ali, o futuro presidente prometeu o que viria a cumprir fielmente, sobretudo no seu primeiro mandato: rezar pelo catecismo fernando-malanista da trindade câmbio flutuante/inflação baixa/responsabilidade fiscal, e não pelo documento produzido, em dezembro de 2001, durante megapajelança petista em Olinda e explosivo já no título: "A ruptura necessária".

De volta ao presente, já tendo se apresentado e até se tornado íntima de magnatas como Jorge Gerdau e Abílio Diniz, entre outros, Dilma agora depende de Palocci bem menos do que dependia há um ano. Agora, é ele quem está pendurado na indulgência dela.

Mas essa indulgência depende de quê?

Na minha opinião, a resposta pode ser mais bem compreendida num paralelo com outro homem público, também submetido, tempos atrás, a uma barragem de críticas e denúncias infinitamente mais pesada e que ameaçava encerrar com humilhação sua vida pública no topo do império: ninguém menos que o ex-presidente Bill Clinton. O que o salvou? Ora, foi a economia, estúpido! Na segunda metade dos anos 90, ela ia muito bem, obrigada, com o Tesouro de Tio Sam navegando na tinta azul de um hoje inimaginável superávit orçamentário, e o consumidor americano metendo o pé na jaca pelos shoppings da vida. Esse efeito bem-estar levou a opinião pública a desconsiderar a estridência da oposição republicana e relevar as estripulias sexuais e as travessuras financeiras do primeiro presidente baby boomer da história dos Estados Unidos. Arroubos juvenis...

No Brasil de agora, a economia refratada pelo prisma da exuberância consumista e vitaminada pelos quase 100 milhões de compradores da nova classe média baixa, ainda vai bem, também. Contudo, os sábios das consultorias e as donas de casa nos supermercados começam a se angustiar diante dos primeiros e insistentes sinais da volta da infação, sem que os sortilégios macroprudenciais do ministro da Fazenda, Guido Mantega, surtam os efeitos desejados.

Palocci, por sua vez, continua a ser encarado, tanto pelos "grandes" quanto pelo "povinho" (a dicotomia é de Maquiavel), como o fiador da estabilidade e seu último recurso, quando vierem a se esgotar os truques da cartola 'desenvolvimentista' de autoridades que se julgam mais espertas que o mercado, como o próprio Mantega e o pouco discreto candidato ao cargo deste, Luciano Coutinho, presidente do BNDES. (A lista poderia ser engordada, se tal fosse politicamente possível, com o nome de outro apóstolo do dirigismo econômico, o biperdedor José Serra.)

Uma coisa é certa: Palocci emergirá dessa tempestade um homem, se não politicamente mais forte, muito mais experiente. Não é por mero acaso que os vocábulos perigo e experiência têm a mesma raiz.

Paulo Kramer é cientista político, com doutorado pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), e professor licenciado do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB). Mantém conta no Twitter em homenagem aos pensadores liberais Alexis de Tocqueville e Max Weber.

Outros textos do colunista Paulo Kramer*

17 maio 2011

De quem é a culpa da crise? por Paul Krugman para o NYT!

Elites americanas tentam transferir responsabilidade da crise à população

Os últimos três anos foram um desastre para a maioria das economias ocidentais. Os Estados Unidos têm um desemprego em massa de longo prazo pela primeira vez desde os anos 30. Enquanto isso, a moeda única da Europa está se desfazendo. Como tudo deu tão errado?

Bem, eu estou ouvindo com crescente frequência de membros da elite autora de políticas – sábios autonomeados, autoridades e acadêmicos em boa posição – a alegação de que a culpa é do público. A ideia é de que entramos nessa confusão porque os eleitores queriam algo em troco de nada, e políticos de mentalidade fraca atenderam à tolice do eleitorado.

Então me parece um bom momento para apontar que esta visão de atribuir a culpa à população não apenas atende a interesses próprios como é completamente errada.

O fato é que o que nós estamos experimentando no momento é um desastre de cima para baixo. As políticas que nos botaram nessa confusão não foram respostas a uma exigência popular. Elas foram, com poucas exceções, políticas defendidas por pequenos grupos de pessoas influentes – em muitos casos, as mesmas pessoas que agora estão nos dando lição sobre a necessidade de sermos sérios. E ao tentarem transferir a culpa para a população em geral, as elites estão se esquivando de uma reflexão muito necessária sobre seus próprios erros catastróficos.

Permita-me que me concentre principalmente no que aconteceu nos Estados Unidos e depois dizer algumas poucas palavras sobre a Europa.

Atualmente é pregado constantemente aos americanos a necessidade de redução do déficit orçamentário. Esse foco em si representa prioridades distorcidas, já que nossa preocupação imediata deveria ser a criação de empregos. Mas suponha que nos limitássemos a falar sobre o déficit e perguntássemos: o que aconteceu com o superávit orçamentário que o governo federal tinha em 2000?

A resposta envolve três coisas principais. Primeiro, ocorreram as reduções de impostos de Bush, que adicionaram aproximadamente US$ 2 trilhões à dívida nacional ao longo da última década. Segundo, ocorreram as guerras no Iraque e no Afeganistão, que adicionaram aproximadamente US$ 1,1 trilhão. E terceiro ocorreu a grande recessão, que levou tanto a um colapso na receita quanto a um forte aumento de gastos em seguro-desemprego e outros programas sociais.

E quem foi responsável por esses arrebentadores de orçamento? Não foram as pessoas nas ruas. O presidente George W. Bush reduziu os impostos a serviço da ideologia de seu partido, não em resposta a um clamor popular – e grande parte das reduções foi destinada a uma minoria rica.

De modo semelhante, Bush decidiu invadir o Iraque porque era algo que ele e seus assessores queriam fazer, não porque os americanos estavam clamando por uma guerra contra um regime que não teve nada a ver com o 11 de Setembro. De fato, foi necessária uma campanha de venda altamente enganadora para fazer com que os americanos apoiassem a invasão, e mesmo assim, os eleitores nunca apoiaram solidamente a guerra quanto a elite política e acadêmica americana.

Finalmente, a grande recessão foi causada por um setor financeiro descontrolado, suportado por uma desregulamentação imprudente. E quem foi responsável pela desregulamentação? Pessoas poderosas em Washington, com laços estreitos com o setor financeiro. Permita-me dar um crédito em particular para Alan Greenspan, que exerceu um papel crucial tanto na desregulamentação financeira quanto na aprovação das reduções de impostos de Bush – e que agora, é claro, está entre aqueles que estão nos intimidando a respeito do déficit.

Então foi o juízo ruim da elite, não a ganância do homem comum, que causou o déficit americano. E muito disso também vale para a crise europeia.

Não é preciso dizer, não é isso o que você ouve dos autores de políticas europeus. A história oficial na Europa atualmente é que os governos de países problemáticos cederam demais às massas, prometendo muito aos eleitores ao mesmo tempo em que coletavam muito pouco em impostos. E esta é, para ser justo, a história razoavelmente precisa da Grécia. Mas não é o que aconteceu na Irlanda e na Espanha, países que tinham baixa dívida e superávits orçamentários às vésperas da crise.

A verdadeira história da crise da Europa é que os líderes criaram uma moeda única, o euro, sem criar as instituições que eram necessárias para lidar com os booms e colapsos dentro da zona do euro. E o impulso para a moeda única foi o projeto de cima para baixo supremo, uma visão da elite imposta sobre eleitores altamente relutantes.

E isso importa? Por que deveríamos nos preocupar com o esforço de transferir a culpa por políticas ruins para o público em geral?

Uma resposta é a simples responsabilidade. As pessoas que defenderam as políticas que arrebentaram o orçamento durante os anos Bush não deveriam ser autorizadas a se passarem por fiscais do déficit; pessoas que elogiaram a Irlanda como um exemplo não deveriam dar aulas sobre governança responsável.

Mas a resposta maior, eu diria, é que ao inventarem histórias sobre nosso apuro atual para absolver as pessoas que nos colocaram nele, nós perdemos qualquer chance de aprender algo com a crise. Nós precisamos atribuir a culpa a quem ela pertence, punir as elites autoras de políticas. Caso contrário, elas causarão danos ainda maiores no futuro.
Tradução: George El Khouri Andolfato

16 maio 2011

Bom texto de Marcos Nobre (Folha de ontem)

POLÍTICA

O condomínio peemedebista

As polarizações artificiais que travam o debate público

RESUMO
Herança da polarização criada pela ditadura militar, o PMDB fez de sua eterna permanência no poder a condição da política brasileira na era democrática. Antigo eixo de transformações sociais, o PT aderiu a essa lógica com o escândalo do mensalão, tornando-se "síndico" do condomínio peemedebista, essencialmente conservador.

MARCOS NOBRE

NÃO FAZ MUITO TEMPO, uma pessoa podia dizer que não tinha posição política ou preferência partidária definida. Mas sabia responder com rapidez à pergunta se era "contra" ou "a favor" do PT. Mesmo que as coisas hoje não se passem exatamente assim, isso diz muito sobre a história política recente.
Engenheiros políticos sempre desenham paraísos partidários em que o país ganha, afinal, um sistema nacional e polarizado. A mais recente tentativa foi obra da ditadura militar (1964-1985), que, de cima e na marra, pretendeu produzir um sistema bipartidário de tipo "oposição" versus "situação", MDB versus Arena, nas siglas vigentes até o final da década de 1970. Esses reformadores de gabinete e de caserna pretenderam, com isso, superar a fragmentação de interesses e as desigualdades regionais e criar algo como a verdadeira unidade de uma nação.
O resultado ruinoso é conhecido. O que é bem menos conhecido é o papel que teve esse projeto autoritário na moldagem da cultura política brasileira a partir da democratização dos anos 1980. Uma cultura que, no seu todo e em sua história, chamo de "peemedebismo". Não porque esteja restrita ao PMDB simplesmente, mas porque foi esse partido que primeiro, ainda nos anos 1980, a moldou e consolidou.

DItadura Apoiando-se na unidade contra o inimigo externo dada pela ditadura, o MDB (depois PMDB) produziu, por vocação e por necessidade, um modelo de gerenciamento de interesses adaptado à desigualdade e à fragmentação regionais. Não foi o sonhado partido uniforme e homogêneo dos reformadores ditatoriais, mas aquele que trouxe para dentro de si a diversidade e a fragmentação. Em suma, um partido nacional à brasileira.
A coisa funcionou mais ou menos assim. Todo e qualquer grupo de interesse tem entrada franqueada no partido. Se conseguir se organizar e se fortalecer como grupo organizado, ganha o direito de pleitear o seu quinhão dos fundos públicos. E, ao mesmo tempo, ganha direito de veto sobre questões que afetem diretamente seus interesses.
Com o declínio da ditadura, o pressuposto do modelo passa a ser, evidentemente, que o partido esteja permanentemente no poder, seja qual for o governo. E a consequência é a de uma política de conchavo, de gabinete, ou, quando muito, exclusivamente partidária. O debate público deve ser evitado ao máximo e, se for inevitável, deve conduzir a "clinchs" políticos, no qual prevaleçam os direitos de veto dos diferentes grupos de interesses encastelados no partido.

PT Se o domínio do peemedebismo tivesse sido completo, era assim que as coisas teriam se passado. Mas não foi isso exatamente o que se passou nas décadas de 1980 e de 1990. E só não foi assim porque, nos estertores da ditadura, surgiu o PT, um partido que não aceitava operar com base nessa lógica.
O PT pretendia ser um partido nacional. Pretendia unificar o país a partir de baixo, dos movimentos sociais e sindicais que combatiam a desigualdade em suas diversas formas. A ideia era simples e direta: a unidade própria de um país só pode ser alcançada se forem eliminadas as desigualdades. E isso inclui combater um sistema político que busca apenas acomodar e gerenciar as desigualdades, como é o caso de um sistema dominado pelo peemedebismo.
Foi assim que uma transição morna para a democracia, dirigida pelo condomínio ditatorial e pactuada de cima por um sistema político excludente, deu de cara com movimentos e organizações sociais, sindicatos e manifestações populares que não cabiam nos canais estreitos da "abertura política" de então. Como não conseguiu administrar todos esses movimentos segundo a estrita cartilha peemedebista, o sistema político encontrou uma outra maneira de neutralizá-los.
Confrontada, por exemplo, com um volume inédito de participação da sociedade organizada, a Constituinte recebeu e aceitou muitas das demandas e as inscreveu na Constituição de 1988. Mas, ao mesmo tempo, fez com que esses dispositivos constitucionais dependessem de leis complementares para serem efetivamente implementados. Ou seja, com uma ou outra exceção notável (a criação do SUS à frente), tomou de volta para si o poder de decisão de fato.

ENERGIAS REPRESADAS Porém, mais uma vez, a história não acabou aí. Com o acesso ao sistema político severamente limitado ou simplesmente bloqueado pelo peemedebismo dominante, as energias de transformação social represadas foram se acumulando e, progressivamente, passaram a se concentrar no PT.
No momento em que, com apenas 16,08% da votação, Lula conseguiu ir para o segundo turno na eleição presidencial de 1989, esse movimento de concentração de forças no PT se intensificou ainda mais. É verdade que, depois disso, ocorreu um relativo declínio da militância de base característica dos anos 1980, mas a "profissionalização" do PT da década de 1990 substituiu, de certa maneira, a militância espontânea de massa da década anterior, com a fixação, na cultura do partido, das mais destacadas demandas históricas de movimentos sociais e populares.
Nesse momento, o PT se tornou o líder inconteste e exclusivo da esquerda. E o fiel depositário das energias utópicas de transformação em larga medida barradas pela peemedebização do sistema político.
Com o declínio do PMDB, no final da década de 1980, o país flertou primeiro com o seu oposto, com o cesarismo alucinado de Fernando Collor. Se, no entanto, depois do impeachment, em 1992, voltou à lógica peemedebista dominante desde a democratização, a partir dali, o modelo inaugurado pelo PMDB já não pertencia mais somente àquele partido, mas tinha se tornado o padrão de organização e de ação de todos os partidos brasileiros.

EXCEÇÃO Todo partido brasileiro pretende, no fundo, ser um grande PMDB. (Dando um salto na história em direção ao momento atual, basta ver -para falar apenas dos exemplos mais vistosos- como se comportam exatamente segundo essa lógica partidos aparentemente tão diferentes como o PSB ou como o novo PSD). A exceção da história naquele momento foi, mais uma vez, o PT.
Olhando assim as coisas, a reorganização política do Plano Real funcionou porque e enquanto a oposição era liderada pelo PT. A acumulação de energias utópicas de transformação social fez do PT o único polo do sistema político capaz de sobreviver à margem do peemedebismo dominante.
Um importante ministro do primeiro governo FHC, Sérgio Mota, disse que a coalizão do Plano Real tinha um projeto de poder para 20 anos. Como se sabe, esse projeto não vingou, e Lula foi eleito presidente em 2002. (Aliás, o próprio Lula repetiu recentemente a frase azarada de Sérgio Mota, prevendo 20 anos de poder para o PT). Mas, no fundo, o projeto pressupunha que o PT, pela sua própria história, estaria impedido de realizar o pacto com o peemedebismo.

MENSALÃO Estava longe de ser uma suposição sem fundamento. Mesmo depois de ter chegado à presidência, em 2002, Lula não conseguiu assumi-la de fato antes que o episódio do mensalão, em 2005, tivesse afastado figuras históricas do PT, deixando-lhe o caminho livre para moldar o governo à sua maneira e feição.
Foi apenas após o mensalão que Lula realizou de fato o pacto com o peemedebismo. Mas foi também nesse momento que ficou claro que o sistema político em dois polos instaurado depois do Plano Real só poderia funcionar se um partido como o PT estivesse na oposição. Apesar de ter conseguido se colocar, durante o período FHC, como vanguarda do peemedebismo, o PSDB mostrou que sua lógica não difere, no essencial, dessa cultura política dominante.
O país queimou toda a energia de transformação que se acumulou no PT em décadas de luta social. Inicialmente, para organizar o sistema político em dois polos, deixando ao PT o papel de sustentar a oposição com base na sua sólida organização social e sindical.

NOVO CONSENSO Em um segundo momento, com a chegada do PT ao poder, para incluir no novo consenso social o princípio de que o crescimento econômico não deve deixar pessoas para trás, sem um mínimo de proteção social universal e sem um mínimo de efeitos de redistribuição de renda em favor dos mais pobres.
Essa é uma diferença considerável com relação ao consenso social anterior, chamado habitualmente por "nacional-desenvolvimentismo" e que se diz ter vigorado entre as décadas de 1930 e 1980, a maior parte do tempo sob regimes ditatoriais. Era um modelo de desenvolvimento e de sociedade que se sustentava na ideia de um crescimento econômico contínuo, com o qual se alcançava uma melhoria igualmente contínua de padrões de vida, mas, em suas versões autoritárias pelo menos, sem preocupações redistributivas.
Em vista das injustiças históricas do país, certamente não foi pouco fincar no novo consenso brasileiro cláusulas de solidariedade social e de ampliação da participação e da representação políticas. Conjugadas a uma conjuntura internacional extremamente favorável e a taxas de crescimento econômico significativas durante o período Lula, repetidas em anos consecutivos, essas novidades trouxeram também o ressurgimento no horizonte de um país com algum futuro, com a perspectiva de que a geração seguinte viverá melhor ou pelo menos tão bem quanto a anterior.
Mas esse processo já se realizou. O pacto do PT com o peemedebismo já está consolidado. E não há, de fato, oposição.

DIREITA E ESQUERDA Traduzido em termos da divisão política em posições de direita e de esquerda, o panorama resulta no seguinte. A diluição transformadora do PT marcou de tal forma o novo consenso social que as bases do discurso e da prática da direita democrática se perderam, pelo menos por ora. Como a peemedebização historicamente sempre jogou a seu favor, a direita perdeu inteiramente o pé diante de uma ocupação pela esquerda dessa cultura política. Ainda não conseguiu fincar posição para além de setores do mercado financeiro.
Do lado da luta por um aprofundamento das transformações sociais iniciadas pelo período Lula, a situação é difícil pela razão oposta: toda a energia de transformação acumulada parece já ter sido gasta. Se a ocupação pela esquerda do peemedebismo permitiu avanços, é essa mesma cultura política que tende, a partir de agora, a travar novas conquistas democráticas.
As alternativas políticas e as perguntas que se colocam hoje são bem pouco simples. E as possibilidades de ação dependem em muito de uma boa compreensão da complexidade do momento atual. Por exemplo: a atual posição de síndico do condomínio peemedebista ocupada pelo PT é suficiente para manter e aprofundar as conquistas sociais do governo Lula?
Ou, ao contrário, tende com o tempo a se diluir por completo? O que, por sua vez, pressupõe que já se tenha uma resposta à pergunta: há alternativa ao peemedebismo? Ou a política estaria limitada à sua ocupação, seja pela esquerda, seja pela direita? Ou ainda: é possível, em condições como essas, não só crescer economicamente com alguma diminuição da desigualdade, mas fazer avançar a democracia?

GUERRA POLÍTICA Por mais difícil que seja responder a essas perguntas, há pelo menos algumas constatações incontornáveis. Começando por um debate público e por um sistema político que não produzem diferenciações reais, mas tão somente uma guerra política de posições em que ninguém sai de fato do lugar.
Uma guerra em que a eventual conquista de uma trincheira significa ganhar poder de mando sobre seu pequeno território e poder de veto sobre iniciativas alheias que ameacem essa trincheira.
Essa é também a razão pela qual a presidente é vista como alguém que "toca o expediente". Por mais que o jogo seja complicado e esteja longe de estar ganho para a coalizão no poder, o governo Dilma lida agora com alternativas de gerenciamento do novo consenso brasileiro e não mais com sua transformação.
Um contexto em que se torna difícil até mesmo caracterizar o voto dado a José Serra ou a Marina Silva nas eleições presidenciais de 2010 como um voto de "oposição". Um contexto em que à "oposição" não resta senão aguardar, impotente, que um fracasso do governo lhe faça cair no colo o poder federal.
Não é à toa, portanto, que a sensação de um divórcio entre sociedade e sistema político é generalizada. O sistema político fechou-se para a invenção e para a inovação. Só um sistema político poroso à sociedade é levado a elaborar demandas de novo tipo, reivindicações e formas de representação que não constem do rol hoje determinado por ele mesmo como aceitável.

ILUSÃO GERENCIAL Alcançar uma democracia melhor do que se conseguiu construir até agora não pode ser um problema que se limite ao fracasso ou ao sucesso do governo em conseguir produzir crescimento econômico com inflação sob controle. Ao contrário da ilusão gerencial que tem o PT de ter sob sua supervisão e controle os movimentos sociais, novas energias sociais estão sendo produzidas e mobilizadas, sem que tenham o grau de organização que se está acostumado a ver, sem que estejam sendo devidamente processadas pelo sistema político.
Um potencial em larga medida invisível e que se manifesta em episódios que não cabem nos quadros gerenciais habituais, como se pode dizer de um acontecimento tão surpreendente e até hoje tão mal explicado como a revolta dos trabalhadores no canteiro da usina de Jirau, em meados de março.
Ao contrário do que acredita o condomínio peemedebista, crescimento econômico e melhoria dos padrões de vida não são garantia de que não surgirão protestos de importância fora dos enquadramentos habituais. E tentar reduzir sem mais a complexidade da situação a um posicionamento a favor ou contra um governo, a favor ou contra um partido, é optar por manter tudo como está. É aceitar a armadilha do condomínio do peemedebismo.

SÍNDICO Porque o peemedebismo é, na sua essência, conservador em todos os âmbitos. E opera com base em uma máxima que lhe garantiu a longa sobrevivência: sempre que algo dá errado, joga toda a responsabilidade da administração do condomínio nas costas do síndico. Por isso, o peemedebismo se deu mal no final da década de 1980: porque era síndico de seu próprio condomínio.
É justamente para não cair na tentação de querer ser novamente síndico que, depois do rearranjo do Plano Real, o PMDB nunca tem candidato a presidente e sempre está no poder, seja qual for o governo. O PT, como atual síndico do condomínio peemedebista, se apresenta como garantia e vanguarda de um processo que, em grande medida, não está de fato em suas mãos.
Não deixa de ser paradoxal que as polarizações pareçam tanto mais acirradas quanto menos o sistema político está de fato polarizado. A própria campanha presidencial de 2010 foi expressão de polarizações artificiais, cujo efeito foi simplesmente o de reforçar uma guerra de posições montada em trincheiras que ficam longe dos campos onde se travam hoje as batalhas decisivas.
Se o novo modelo de desenvolvimento e de sociedade hoje consolidado representa um inequívoco avanço relativamente à histórica iniquidade do país, a democracia brasileira só alcançará novos avanços a partir de agora se, de alguma maneira, começar a acertar contas com o peemedebismo. Com que forças e com que meios, só a invenção democrática poderá dizer. O que é possível dizer é que o primeiro passo para isso é destravar o debate público das polarizações artificiais e encontrar novas, reais e acirradas polarizações.

Com o acesso ao sistema político limitado pelo peemedebismo, as energias de transformação social represadas passaram a se concentrar no PT

O modelo inaugurado pelo PMDB já não pertencia mais somente àquele partido, mas tinha se tornado o padrão de organização e de ação de todos os partidos

O país queimou toda a energia de transformação do PT, deixando a este o papel de sustentar a oposição com base na sua sólida organização social e sindical

Como a peemedebização historicamente sempre jogou a seu favor, a direita perdeu o pé diante da ocupação pela esquerda dessa cultura política

A democracia brasileira só alcançará novos avanços se começar a acertar contas com o peemedebismo; para isso, é preciso achar novas polarizações

25 abril 2011

Murillo de Aragão analisa!


O complexo xadrez do PSD!

Como esperado, teve início uma intensa batalha judicial em torno da criação do PSD. O DEM vai atuar nos estados onde o novo partido tenta obter registro. Advogados do PTB, PMN, PPS e do DEM trocaram informações e decidiram que vão lançar mão de várias ações jurídicas para atrasar o registro e inviabilizar a participação do PSD nas eleições municipais de 2012.

Os pontos a serem questionados vão desde a simples conferência de nomes dos subscritores da fundação do partido até a legalidade de se deixar um partido para criar outro sem perda de mandato.

Para alguns juristas, a saída de um partido – sem perda de mandato – só se justificaria no caso de algum constrangimento comprovado. PPS e PMN trabalham com essa tese.

Com menos grau de complexidade, o PTB alega que o PSD deixou de existir como partido quando se incorporou ao PTB. Assim, além das dificuldades de registro, Gilberto Kassab poderá ter que passar pelo transtorno de mudar o nome da legenda pela segunda vez. Antes, o partido ia ser identificado como PDB.

Além de DEM, PPS, PTB e PMN, também o PSDB acompanha com grande interesse a movimentação. Geraldo Alckmin teme que o PSD termine desidratando o PSDB em São Paulo. Após o anúncio de que sete vereadores tucanos deixariam o partido, Alckmin entrou em campo e reverteu a debandada de pelo menos dois.

Já em Minas Gerais, a criação do PSD conta com o apoio de Aécio Neves, que sempre trabalhou com uma base de apoio ampla.

No limite, caso não assuma o controle do PSDB nas eleições para presidente do partido em maio – por meio de seu candidato Sergio Guerra –, pode ir para o PSD.

O PMDB, que ainda não perdeu ninguém para o PSD, acompanha igualmente com atenção o desenrolar dos acontecimentos, já que gostaria de ter Kassab na legenda, ou mesmo promover a fusão do partido com a legenda em futuro próximo.

O PSB também observa o processo de perto, visto que Kassab e Eduardo Campos conversaram sobre essa possibilidade. O PT teme que um bloco PSD-PSB reclame maior participação no governo, ampliando a disputa por espaços e cargos.

Embora algumas siglas governistas tenham perdido parlamentares para o PSD, é a oposição que mais se preocupa com o surgimento de um novo partido. Com sua criação, PSDB, DEM e PPS teriam sua composição na Câmara dos Deputados reduzida de 111 para 96 parlamentares, a menor representação da oposição nos últimos anos.

Assim, com tantos interessados e, ao mesmo tempo, tantos obstáculos a serem vencidos, os próximos capitulos da fundação do PSD tendem a ser emocionantes.



Murillo de Aragão é cientista político

18 abril 2011

O (difícil) caminho da oposição!


O desafio da oposição

Na última semana, um artigo publicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o estado atual do universo partidário brasileiro agitou o mundo político e ofereceu insights interessantes sobre um possível realinhamento da oposição no Brasil. Em seu diagnóstico, o PT domina eleitoralmente os movimentos sociais e a parcela da população que é atendida pelas políticas redistributivas. Portanto, caberia ao PSDB, DEM e PPS mirarem suas baterias em outros segmentos, outros nichos que estariam “orfãos” de representação, como os jovens que habitam as redes sociais e a classe média. Para o tucano, os partidos deveriam tentar superar o fosso que os separam das pessoas por meio da abordagem dos seus problemas cotidianos.

A análise de FHC é válida, mas pode ser discutida em alguns pontos. Primeiro é o fato dele ter se baseado numa configuração eleitoral pertencente ainda à era Lula, ignorando possíveis impactos que certamente virão de Dilma Rousseff. Nesse sentido, há dois movimentos que merecem atenção. O primeiro é a entrada da questão gênero na agenda política. Caso Dilma consiga, por meio de reposicionamento de políticas públicas, agregar o público feminino ao contigente eleitoral petista, suas chances de reeleição em 2014 crescem consideravelmente. O segundo ponto é o estilo tecnocrata da presidente. Ao focar a seu mandato na gestão (em detrimento da política, como fez Lula), ela pode se apropriar de umas das bandeiras mais caras ao PSDB e avançar sobre um eleitorado que, até aqui, pertence a Serra, Aécio e Alckmin.

Ou seja, para a oposição, as coisas podem ficar piores.

Que caminho resta à oposição? Afirmar que os partidos devem focar os problemas cotidianos das pessoas é muito mais um princípio do quê uma receita. Além disso, dificilmente a resposta sairá das bancadas parlamentares, muito distantes dos recursos necessários para fazer a aproximação sugerida.

O caminho para o restabelecimento da oposição passa pelos governos estaduais. Juntos, PSDB e DEM governam dez estados da federação que atravessam o país de norte a sul e que apresentam perfis diversos. A oposição governa centros economicamente muito dinâmicos, como Santa Catarina, Paraná, Goiás, São Paulo e Minas Gerais e atores emergentes como Tocantins, Pará e Rio Grande do Norte. A diversidade apresenta um laboratório riquíssimo para experiências de gestão e seus resultados podem compor uma plataforma de atuação nacional. O hiato entre partidos e pessoas só pode ser vencido quando se tem instrumentos de gestão à disposição. E, para a oposição, isso só pode acontecer no âmbito estadual.

Trata-se de um recurso potencial formidável.

Mas para que isso aconteça, será necessário um enorme esforço de coordenação entre os governadores para a adoção de uma agenda de políticas públicas comum aos estados, construindo assim uma marca de governo pelas quais eles passariam a ser conhecidos. Portanto, o desafio dos gestores estaduais é investir coordenada e agressivamente em um diálogo com a população, captar suas preferências e valores e transformá-las em políticas responsivas e impessoais, passíveis de serem implementadas em todo o conjunto de estados que compõem o bloco oposicionista.

A mensagem implícita nesse caminho é a seguinte. Para seguir adiante, a oposição deverá transcender o debate político atual. A estratégia de criar uma concertação não pode se limitar à projeção de uma ou duas lideranças com alguma força agregadora. Mas deve estar pautada na construção de uma frente partidária organizada que tenha condições de oferecer novas experiências à população (via gestões estaduais) em uma escala tal que permita ao PSDB, DEM ou PPS oferecerem uma candidatura substancial e competitiva nas próximas eleições presidenciais.


Leonardo Barreto e Wladimir Gramacho são cientistas políticos e pertencem ao Instituto FSB Pesquisa.

08 abril 2011

Matéria da The Economist sobre o PSDB!

When toucans can't

TOUCANS, Brazilians say, simply cannot get along together: those big beaks get in the way. They are talking not about the colourful native birds, but about the leaders of the Party of Brazilian Social Democracy (PSDB), dubbed tucanos after their party’s symbol. The PSDB governed Brazil for eight years under Fernando Henrique Cardoso, who laid the foundations for the country’s subsequent economic success. It is still Brazil’s biggest opposition party, but in the past three elections it has steadily lost seats in both houses of congress. The next presidential election is not until 2014, but already three big beaks are squabbling over who should be the candidate. Many think the party will split unless it swiftly unites behind one of them.

The bills in question belong to José Serra, the party’s defeated presidential candidate in 2002 and 2010; Geraldo Alckmin, governor of São Paulo state and presidential loser in 2006; and Aécio Neves, who was governor of the state of Minas Gerais until he stepped down last year to run for and win a Senate seat. Pundits expected that after his second defeat, Mr Serra would step aside in favour of the younger, more charismatic Mr Neves. But by ending his concession speech with the words: “This is not ‘farewell’, but ‘see you later’,” he made it clear that he would not.

Mr Alckmin is trying to sideline Mr Serra by touting him as the PSDB’s candidate in 2012 for mayor of São Paulo (a job Mr Serra held in 2005-06). The current mayor, Gilberto Kassab, a friend, is setting up a new party that some think could accommodate Mr Serra if the PSDB does not bend to his will. If he is overlooked again, Mr Neves, too, might well leave the PSDB. With him would go the party’s best hope of regaining the presidency.

Supporters of both Mr Serra and Mr Alckmin take comfort from the career of Luiz Inácio Lula da Silva, who only became Brazil’s president on his fourth try. But the analogy is strained. Lula’s Workers’ Party (PT) built a powerful organisation when it was in opposition; the PSDB, by contrast, is growing weaker.

Unlike the PT, the PSDB was always more of a club of brilliant technocrats than a mass organisation. But younger tucanos complain that the party’s founding generation, who came to prominence during Brazil’s military dictatorship of 1964-85, have failed to yield to fresh faces. In last year’s election many younger voters plumped for Marina Silva, a PT dissident running for the Green Party. Middle-class Brazilians, the PSDB’s bedrock supporters, could also defect. Polls suggest that Dilma Rousseff, Lula’s successor, is both more popular than he was three months into his first term and, unlike him, equally well thought of by rich and poor.

Just as damaging as the PSDB’s profusion of would-be leaders is its lack of a distinctive programme. When Lula took office he adopted tucano economic policies wholesale. There is now little ideological distance between the PT, whose roots are in the labour movement, and the PSDB. While Lula was president the PSDB sold itself as the party of good administration, but that is harder against Ms Rousseff, who is known as a capable manager. Even privatisation, embraced by Mr Cardoso but excoriated by Lula, is no longer a defining difference. Ms Rousseff has said she will open up airports to private investment.

This policy overlap will confront the eventual victor of the PSDB’s power struggle with a difficult choice. Should the party stick to the centre-left and hope that the tide turns against the PT—because of a huge scandal, say, or an economic bust? Or should it move rightward, towards political territory that is almost unoccupied.

Although Brazil’s tax take is high for a middle-income country, politicians have long believed that public spending, not tax cuts, gets them elected. The poorish majority will be grateful for any handout, the argument goes, and not notice how much tax they are paying. Indeed, Bolsa Família, Lula’s flagship anti-poverty programme, returns less to many recipients than they pay in sales tax on food.

A politician with the courage to challenge the tax-and-spend consensus could reap rich electoral rewards, says Alberto Almeida of Instituto Análise, a consultancy in São Paulo. In recent polls and focus groups he has found that Brazilians, including the poorest, have woken up to the fact that they pay high taxes. Lula’s decision to prop up demand during the world recession by temporarily slashing the sales tax on white goods acted as a tax primer, the pollsters found. Brazilians had not previously realised that such a big chunk of the cost of a fridge or cooker goes to the government. Asked whether they thought the tax cut should be kept, or made even deeper, or reversed and the extra revenue used for social programmes, two-thirds plumped for even deeper cuts. That is one of several reasons why the toucans need to find a new song to warble.

Na análise, eles sugerem que os tucanos passem a defender a redução de tributos como bandeira principal. O problema é: o PSDB poussui credibilidade para tratar do assunto, considerando que a carga tributária deu seu salto no governo FHC? Esse é um problema a ser considerado...

06 abril 2011

O reequilíbrio do mercado financeiro possui implicações diretas sobre o balanço internacional (veja Portugal!)!


Esperando o grande reequilíbrio!

Martin Wolf (texto capturado no Valor de hoje)!

Estão crescendo as pressões no sentido de um reequilíbrio da economia mundial. Há bastante tempo o setor privado vem tentando enviar um grande fluxo líquido de capital dos relativamente lentos países ricos em todo o mundo para seus dinâmicos países emergentes. Mas os governos dos emergentes vêm resistindo, intervindo nos mercados de câmbio e enviando o capital de volta na forma de reservas de moeda oficial. Mas parece provável que as forças atualmente em operação na economia mundial levarão essa reciclagem a um fim natural. Se assim ocorrer, será bastante proveitoso, mas também criará novos desafios.

Mervyn King, presidente do Banco da Inglaterra, fez um relato sobre o papel dos chamados desequilíbrios mundiais na edição de fevereiro do "Financial Stability Review", do Banque de France. Esse fluxo de capital "morro acima" - dos países pobres para os países ricos -, predominantemente assumindo exposições a ativos supostamente seguros, teve consequências importantes: uma redução na taxa real de juros; um aumento nos preços de ativos, especialmente moradias, em vários países, inclusive nos EUA; uma busca por rendimentos; uma onda de inovações financeiras para criar ativos de maior rendimentos, embora supostamente seguros; um boom na construção residencial e, finalmente, uma enorme crise financeira. As loucuras do mundo financeiro e as falhas de regulamentação levam a culpa. Mas os acontecimentos mundiais - não apenas o chamado "excesso de poupança", mas a forma que esses fluxos assumiram - ajudaram a criar as condições para o desastre. Na verdade, existe uma clara correlação entre o aumento da inadimplência durante a crise e as posições iniciais em conta corrente dos países.

Como King também observa, o determinante subjacente foi um surto de poupança em regiões já superavitárias ainda maior do que seu incremento de investimentos. Em um outro estudo recente, para o Morgan Stanley, intitulado "The Great Rebalancing" (O grande reequilíbrio), Alan Taylor, da Universidade da Califórnia, em Davis, e Manoj Pradhan, mostram a mesma coisa, dessa vez especificamente para países emergentes.

Os países emergentes estão modificando o sistema monetário global por conta própria. Eles decidiram proteger-se contra os caprichos do mundo financeiro mundial por meio de um vasto acúmulo de créditos contra os emissores de moedas de reserva.

Por que, então, ocorreu o surto de poupança? King sugere três explicações: uma mudança - no sentido de um estímulo a exportações -, que criou a necessidade de câmbios reais extremamente competitivos; uma decisão de acumular reservas em moeda estrangeira na esteira das crises financeiras da década de 1990; e a combinação de baixos níveis de desenvolvimento financeiro com redes de segurança social inadequadas, o que incentivou incrementos na poupança.

Seja qual for o papel dos fluxos de capital "morro acima" na deflagração da crise - sobre o que reina controvérsia -, existe consenso em torno de que uma recuperação plana exige reequilíbrio. No mundo pós-crise, os antes aquecidos gastos das famílias nos EUA e em outros países afetados provavelmente serão mornos, à medida que prosseguir a desalavancagem. As empresas não financeiras vêm acumulando superávits financeiros (lucros retidos maiores do que os investimentos) há bastante tempo. Isso agora deixou os governos com enormes déficits. Para que esses déficits sejam reduzidos, enquanto se promove a recuperação, são necessárias enormes mudanças no balanço externo.

Poderá isso acontecer agora? O estudo do Morgan Stanley argumenta que a resposta é: sim, por quatro razões.

Primeiro, as reservas em moeda estrangeira provaram seu valor durante a crise, que deixou as economias emergentes surpreendentemente ilesas. Mas a crise também mostrou que as reservas existentes são mais do que suficientemente grandes. A redução nas reservas em moeda estrangeira entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009 foi de US$ 428 bilhões, ou pouco menos de 6% do total mundial. No total, os detentores de reservas revelaram-se mais do que adequadamente segurados, mesmo contra a maior crise desde 1930. Além disso, o custo da manutenção de reservas numa época de juros ultrabaixos nos países cujas moedas são empregadas para essa finalidade também é elevado. Na China, o custo pode ser hoje equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, o crescimento puxado por exportações também parece muito menos atraente numa era de retração do consumo nos países ricos.

Segundo, existe uma demanda reprimida por um aumento dos investimentos - tanto nos países avançados e emergentes. Em terceiro lugar, o consumo provavelmente disparará nos países emergentes. Esse já é um objetivo específico do governo chinês, que percebeu os perigos de depender da demanda dos países de alta renda.

Finalmente, no curto prazo, a poupança privada provavelmente crescerá nos países avançados. Mas, no longo prazo, o envelhecimento (populacional) a reduzirá, embora não o suficiente para impedir o reequilíbrio.

O estudo do Morgan Stanley conclui que o impacto dessas mudanças incluirá um aumento nas taxas de juros reais, reequilíbrio mundial e maiores taxas de câmbio real nos países emergentes. O aumento do câmbio real pode ocorrer mediante taxas de câmbio nominais mais altas ou inflação mais elevada. Muitas economias emergentes estão agora atingindo sua máxima tolerância à inflação. Isso sugere que uma valorização mais rápida tende a fazer parte importante do mix de políticas, inclusive na China. Para o governo chinês, inflação elevada é um desastre, muito mais do que qualquer modesta perda de competitividade externa. Se a China permitisse uma valorização mais rápida do yuan, outros países provavelmente também seguiriam nessa política.

No geral, as mudanças descritas parecem plausíveis. Mas é provável que elas viriam a trazer muitos sacrifícios. Uma elevação dos juros reais agravaria as dificuldades dos superendividados, sejam pessoas físicas ou governos. Além disso, os países emergentes resistirão à mudança contemplada - as reservas mundiais cresceram outros US$ 2,192 trilhões entre fevereiro de 2009 e dezembro de 2010. Essa taxa de acumulação é, certamente, desestabilizadora. Mas ela está em curso. Não vou prever quando isso poderá acabar. Posso dizer que US$ 9 trilhões são certamente suficientes.

O debate sobre o futuro do sistema monetário mundial está em curso. Mas, muito pragmaticamente, os países emergentes o estão modificando por conta própria. Eles decidiram proteger-se contra os caprichos do mundo financeiro mundial por meio de um vasto acúmulo de créditos contra os emissores de moedas de reserva. Esse episódio terá, certamente, de chegar a um fim, especialmente agora que a inflação está produzindo um medo maior. Além disso, forças estruturais provavelmente também produzirão o necessário "grande reequilíbrio". Mas o caminho para o ajuste apenas começou. Atenção: é provável que seja acidentado.

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT

28 março 2011

Reforma política ponto a ponto!

Para quê reforma política? Essa é uma pergunta séria, mas que ainda não foi feita com cuidado pelos interessados no tema. Daí a impressão que discute-se a adoção dos sistemas eleitorais x, y e z como que por puro fetiche. Antes de alterar a espinha dorsal do modelo brasileiro, é necessário construir um diagnóstico preciso daquilo que precisa ser mudado e daquilo que funciona e deve ser mantido.

Deve-se refutar a idéia de que o Brasil vive uma crise profunda do sistema político. Não vive. Os governantes se sucedem. Há governabilidade, representatividade e as eleições são feitas com regularidade. De modo geral, as disputas são transparentes e honestas.

Então, quais são os problemas? Há duas dificuldades estruturais: o alto preço que se paga pelo seu funcionamento e o descrédito das pessoas em relação à cena política.

O sistema eleitoral é caro. Esse é um fator de exclusão, pois pessoas sem recursos quase não possuem chances reais de serem eleitas. Além disso, o preço de uma campanha é uma porta aberta para a corrupção. Para corrigir esse problema, o financiamento público exclusivo é uma saída. Mas não é a única. Pode-se adotar, como alternativa, limites máximos a serem gastos em uma campanha. Por exemplo, determinar que uma empreitada para deputado federal não passe de R$ 60 mil (valor escolhido só para fins ilustrativos).

Outra medida pode ser proibir doação de empresas e permitir somente a entrada de dinheiro oferecido por pessoas físicas, também com limite de valor. Nos Estados Unidos funciona assim. A vantagem é dificultar a ação de empresários interessados em negócios com o Estado.

Outra questão que encarece o nosso sistema é o número excessivo de partidos e a dificuldade de formar coalizões de governo. A moeda de troca para essas alianças são cargos e indicações. Compartilhar o governo com aliados é natural. Ninguém governa sozinho. Mas a distribuição de postos foi banalizada, exagerada e é feita sem critérios.

Isso onera o contribuinte duas vezes. Primeiro, paga-se o salário. E, no caso de se nomear um pessoa sem competência, paga-se de novo para alguém fazer o trabalho dele. Uma solução seria a limitação de um percentual máximo de nomeações possíveis, como 1% do total de funcionários públicos concursados, por exemplo. Caso essa medida fosse adotada, a presidente da República poderia nomear cerca de 5.000 pessoas. Isso seria quase o dobro da quantidade de vagas que são disponibilizadas para o presidente dos EUA distribuir!

Caso se queira reduzir o número de partidos, não é necessário criar cláusulas de barreiras. Basta impedir que os partidos se coliguem nas eleições proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais). Os partidos de aluguel teriam muita dificuldade para atingir o quociente e só as legendas com enraizamento social alcançariam representação. Outra vantagem seria o aumento da identificação entre eleitores e partidos, algo impossível quando os candidatos se escondem por detrás de coligações que não possuem sentido.

Para aumentar a confiança dos brasileiros, a medida mais importante é criar mecanismos de controle e punição da corrupção. Isso acontecerá por vias institucionais e legais. É preciso reduzir o tempo de julgamento de autoridades denunciadas pela corrupção.Isso pode acontecer pela reforma do processo penal ou pela criação de ritos específicos para esses casos. Sem falar do aumento das penas.

No âmbito institucional, é preciso vetar a relação incestuosa que o Executivo mantém com o Legislativo. Atualmente, é muito comum ver parlamentares servindo como secretários de governo. Além de causar a distorções do corpo de eleitos que saiu das urnas, isso acaba com a autonomia do poder Legislativo que, entre suas funções mais importantes, está a de fiscalizar prefeitos, governadores e presidentes. Afinal, como parlamentares podem vigiar um governo ao qual eles servem?

Há outros ajustes que podem ser propostos. Mas todos caminham na trilha do aperfeiçoamento, e não da ruptura.

23 março 2011

Acho que a Veja deveria se pronunciar sobre esse delay!

LEITURAS DE VEJA
A entrevista escondida

Por Washington Araújo em 22/3/2011


Existem notícias que nos fazem rever o conceito do valor-notícia. Estou com isto em mente após ler a entrevista que o ex-governador José Roberto Arruda (DF) concedeu em setembro de 2010 à revista Veja. Na entrevista, Arruda decidiu dar uma espécie de freio de arrumação em suas estripulias heterodoxas como governador do Distrito Federal: atuou como principal protagonista no festival de vídeos dirigido pelo ex-delegado de polícia Durval Barbosa e que tratavam de um único tema: a corrupção graúda correndo solta nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Distrito Federal.

Na entrevista publicada na quarta-feira (17/3) no sítio de Veja encontramos o ex-governador desarrumando as biografias de seus antigos companheiros de partido, pessoas como os senadores Agripino Maia, Demóstenes Torres, Cristovam Buarque e até o sempre correto Marco Maciel. Não faltaram mísseis dirigidos aos deputados ACM Neto, Rodrigo Maia e Ronaldo Caiado. E também ao presidente do PSDB, o agora deputado Sérgio Guerra. Na fala de Arruda sobra ressentimento e, mesmo tendo passado alguns meses, ainda trai uma certa conotação de vingança.

Não. Não estou desmerecendo o valor de uma única palavra de Arruda nessa entrevista. Após ler os desmentidos de todos os novos citados no escândalo conhecido como o "panetone do DEM" (ver, neste Observatório, "Panetones na Redação" e "Mídia encara corrida de obstáculos"), confesso que nenhum me convenceu: a defesa esteve muito inferior ao ataque desferido e onde as palavras deveriam ser adjetivas conformaram-se como nada mais que substantivas. Naquele velho diapasão do "nada como tudo o mais além, ainda mais em se tratando deste assunto, muito pelo contrário". Ou seja, a bateria antimíssil deixou muito a desejar e, considerando a virulência verbal dos agora acusados de receberem apoio financeiro no mínimo com "origem suspeita", os desmentidos surgem como bolhas de sabão que tanto animam festas infantis. Desmancham-se no ar.

Miúdos e graúdos

O que me causou profunda estranheza nessa entrevista nem foi seu conteúdo, menos ainda seu personagem. O que me deixou perplexo, com todas as pulgas aninhadas em volta da orelha, foi o timing da publicação da entrevista. Por que Veja, tendo entrevistado o ex-governador em setembro de 2010, somente agora, quase 190 dias depois, resolveu levá-la ao conhecimento de seu público leitor? O ponto é que o mais robusto episódio de explícita corrupção, o único escândalo com tão formidável aparato midiático, com dezenas de vídeos reproduzidos nos principais telejornais do Brasil, merecia ter um tratamento realmente jornalístico: descobrindo-se novos fatos, novos meliantes, novas falcatruas, tudo teria que vir à luz, a tempo e a hora.

Convém refrescar a memória com essas autoexplicativas manchetes dos principais jornais brasileiros no dia 28/11/2009:

** O Globo: "Governador do DEM é suspeito de pagar propina a deputados". E diz que "PF grava José Roberto Arruda negociando repasse de dinheiro com assessor";

** Folha de S.Paulo: "Governo do DF é acusado de corrupção";

** O Estado de S.Paulo: "Polícia flagra ‘mensalão do DEM’ no governo do DF". E diz que o esquema "teria até mesmo participação do governador Arruda".

No dia seguinte, 29/11/2009, as manchetes continuaram com tintas denunciatórias:

** O Globo teve como manchete principal "PF: Arruda distribuía R$ 600 mil todo mês";

** Folha de S.Paulo optou por "Documento liga vice-governador do DF a esquema de corrupção";

** O Estado de S.Paulo não deixou por menos: "Em vídeo, Arruda recebe R$ 50 mil".

E, para concluir essa sessão "refresca memória", compartilho as manchetes dos jornalões no dia 30/11/2009:

** O Globo abriu sua edição com a manchete "Arruda: TSE vê indício de caixa 2";

** Folha de S.Paulo destacou na primeira página: "Vídeos mostram aliados de Arruda recebendo dinheiro";

** O Estado de S. Paulo abriu manchete com "Vídeos ‘letais’ levam DEM a preparar expulsão de Arruda", destacando em subtítulo que "Provas contundentes da PF deixam governador em situação insustentável".

** Até o fluminense Jornal do Brasil passou a tratar do assunto com a importância que o assunto requeria: "Aliados deixam Arruda isolado".

Tudo bem, este foi o início da divulgação do escândalo. E, como sempre acontece, o início de todo escândalo político tende a ser megapotencializado. É assim aqui no Brasil, na Itália, no Reino Unido, no mundo todo. No caso atual, pela primeira vez um governador no Brasil esteve trancafiado por tão longo tempo: 60 dias, de 11 de fevereiro a 12 de abril de 2010. A carceragem se deu na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília.

Antes de completar um ano de sua divulgação, o escândalo produziu a cassação de mandatos de diversos deputados distritais, a renúncia de um senador da República, a instauração de diversos inquéritos para apurar responsabilidades de políticos miúdos e graúdos e também de procuradores do Ministério Público do Distrito Federal.

E foi nesse meio tempo que, segundo os advogados de Arruda, em setembro de 2010, o ex-governador concedeu a entrevista ao carro-chefe da Editora Abril. O que as teclas de meu micro querem saber é por que Veja escondeu comprometedora entrevista de Arruda.

Insidiosa, rastejante

Tenho exposto aqui neste Observatório minhas teses sobre a forma e o modus operandi de como a imprensa, a grande imprensa, tem se comportado como agremiação político-partidária. E essa defasagem de mais de seis meses entre a data da entrevista e a data de sua divulgação é de chamar a atenção.

Quais as reais motivações para que fosse esquecida, largada na gaveta de um editor aparentemente displicente? Por onde andaria aquele polvo-caçador-de-corruptos-no-Planalto que não deu a mínima trela para essa entrevista? Ninguém na redação deVeja considerou um mísero grama de valor-notícia para buscar a versão dos "novos acusados"? Ou seria mais um desserviço à campanha presidencial de José Serra? Desserviço que, com certeza, cobriria tal campanha de portentosa agenda negativa, incluindo sob suspeição até mesmo o presidente de seu partido.

Todos sabemos que o papel da imprensa é informar a população. Aprendemos isso ainda nos primeiros dias de aula de qualquer curso de jornalismo, mesmo aqueles chamados "meia-boca". Por que à população brasileira foram suprimidas tais informações?

É, não é necessário muitos decênios de madura experiência como analista da política brasileira para entender que dentre as mil possíveis razões para que ocorresse tal ocultação uma delas sobressai, insidiosa, sibilina, rastejante: a entrevista de Arruda, que hoje causa apenas perplexidade, publicada em setembro de 2010 traria em seu cerne forte componente explosivo capaz de desarrumar por completo o pleito presidencial de 2010.

Mas, como dizem nossos oráculos da imprensa... o leitor vem sempre em primeiro lugar.

21 março 2011

Reforma Política: ela é mesmo necessária?


POLÍTICA (retirado do blog do Noblat)

Modelo aprovado?

No momento em que se discute a reforma política, especialmente a do sistema eleitoral, dois trabalhos vêm jogar água na fervura, defendendo teses similares apesar de serem distintos em sua origem e objetivos. O cientista político Marcus André Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, acha que o sistema eleitoral brasileiro precisa de poucas alterações — como o fim das coligações proporcionais — e defende a tese de que a representação proporcional é mais democrática, porque a lista aberta permite atribuir maior responsabilidade ao eleito, e o eleitor pode punir o parlamentar.

Já um trabalho da agência de avaliação de riscos americana Standard & Poor’s sobre os Brics — Brasil, Rússia, Índia e China — chega à conclusão de que o sólido sistema político brasileiro ajuda a neutralizar nossa fraqueza fiscal.

Na opinião dos analistas da agência americana, os fatores qualitativos da democracia brasileira dão grande suporte aos problemas econômicos que o país ainda vive.

O cientista político Marcus Melo ressalta que a lista fechada, proposta defendida com ardor pelo PT, é um dos fatores institucionais que incentivam a corrupção.

Quanto ao sistema majoritário, que engloba o voto distrital e o "distritão", ele diz que a patologia desse sistema é que ele exclui as minorias, sem falar na manipulação da definição dos distritos, uma das razões da dificuldade de se chegar a um acordo sobre o tema.

Melo adverte que a literatura internacional de melhor qualidade mostra que o ideal não é que os partidos sejam fortalecidos, mas o equilíbrio do sistema em duas vertentes: que seja realmente representativo, sem favorecer sub-representação, o que ocorre geralmente, segundo ele, nos sistemas majoritários, e garanta certa eficiência governativa, produzindo atores que depois atuem no Legislativo.

Na sua opinião, não é desejável ter um sistema de partidos fortíssimos, o que é preciso é que o partido tenha representatividade sem que isso leve a fragmentação muito grande do Congresso.

Marcus Melo diz que a tendência histórica é o sistema proporcional, introduzido generalizadamente na grande onda de reformas políticas ocorridas nas primeiras décadas do século XX.

Naquela época, todos os sistemas eram majoritários, e houve então uma onda em que os sistemas majoritários foram sendo substituídos por sistemas proporcionais, na busca de maior representatividade.

No nosso modelo atual, na visão do cientista político pernambucano, não temos o problema de termos um sistema partidário excessivamente fragmentado como na Filipinas, por exemplo, que é o caso mais extremo.

Lá qualquer pessoa pode se candidatar por qualquer partido, querendo o partido ou não, é o cúmulo do individualismo, diz ele.

Mas também não temos uma das patologias fundamentais do sistema representativo, que surge nos sistemas em que as lideranças representam a si próprias e não mantêm porosidade em relação às bases. "As lideranças partidárias funcionam como máfias", comenta Melo, referindo-se à adoção das listas fechadas.

Para ele, a lista aberta como no Brasil favorece o individualismo do candidato, ele é que define sua campanha, "mas a brincadeira acaba quando o parlamentar é eleito. O Legislativo funciona todo em bases partidárias".

Temos atualmente 28 partidos com representação no Congresso, mas, na definição de Marcus Melo, "só contam seis ou sete".

O grande problema do Brasil, para ele, é ter um presidente eleito majoritariamente que tem prerrogativas de toda natureza: propor orçamento, toda medida tributária e financeira é de sua iniciativa exclusiva, tem o poder da medida provisória, de contingenciar o orçamento.

"O presidente é muito poderoso no Brasil, e, se o sistema político ficar mais oligopolizado, com a lista fechada, isso dará um poder a quem estiver no governo extraordinário."

Seria preciso corrigir também a distorção na representação dos estados, especialmente na Câmara. Na Alemanha, lembra Marcus Melo, o número de senadores não é o mesmo, os maiores estados têm mais representantes.

Na Argentina a distorção é maior ainda que a nossa, avalia o cientista político, exemplificando com o fato de a Tierra del Fuego ter a mesma representação que a província de Buenos Aires, onde mora a metade da população do país.

Segundo ele, essa distorção na Câmara favorece mais o Norte e o Centro-Oeste. O Nordeste, ao contrário do que dizem, não está sobrerrepresentado, em sua opinião.

Já o relatório da Standard & Poor’s mostra que os países dos Brics têm pouco em comum em seus principais indicadores econômicos, a não ser o tamanho.

De fato, apenas cinco países do mundo têm mais que dois milhões de quilômetros quadrados, mais de cem milhões de habitantes e tem mais de US$ 600 bilhões de PIB: os Estados Unidos e os quatro países dos Brics: Brasil, Rússia, Índia e China.

Na opinião dos analistas da agência americana, o Brasil é o mais fraco dos quatro em alguns aspectos, principalmente na sua flexibilidade fiscal, mas seu "forte e estável" sistema político ajuda a equilibrar essas fraquezas.

Na análise do documento, "um bem resolvido e estável sistema democrático, que transfere o poder entre administrações de diferentes tendências políticas, já testado, é o fator mais crítico a apoiar a avaliação do Brasil e a diferenciá-lo dos demais países dos Brics".

"Mesmo que o sistema político brasileiro não leve a mudanças rápidas na economia, permitindo um crescimento maior, ele reduz significativamente os riscos do país", avalia a Standard & Poor’s.

18 março 2011

Entrevista de Arruda à Veja! (ou... extrema unção de um político brasileiro).


O senhor é corrupto?
Infelizmente, joguei o jogo da política brasileira. As empresas e os lobistas ajudam nas campanhas para terem retorno, por meio de facilidades na obtenção de contratos com o governo ou outros negócios vantajosos. Ninguém se elege pela força de suas ideias, mas pelo tamanho do bolso. É preciso de muito dinheiro para aparecer bem no programa de TV. E as campanhas se reduziram a isso.

O senhor ajudou políticos do seu ex-partido, o DEM?
Assim que veio a público o meu caso, as mesmas pessoas que me bajulavam e recebiam a minha ajuda foram à imprensa dar declarações me enxovalhando. Não quiseram nem me ouvir. Pessoas que se beneficiaram largamente do meu mandato. Grande parte dos que receberam ajuda minha comportaram-se como vestais paridas. Foram desleais comigo.

Como o senhor ajudou o partido?
Eu era o único governador do DEM. Recebia pedidos de todos os estados. Todos os pedidos eu procurei atender. E atendi dos pequenos favores aos financiamentos de campanha. Ajudei todos.

O que senhor quer dizer com “pequenos favores”?
Nomear afilhados políticos, conseguir avião para viagens, pagar programas de TV, receber empresários.

E o financiamento?
Deixo claro: todas as ajudas foram para o partido, com financiamento de campanha ou propaganda de TV. Tudo sempre feito com o aval do deputado Rodrigo Maia (então presidente do DEM).

De que modo o senhor conseguia o dinheiro?
Como governador, tinha um excelente relacionamento com os grandes empresários. Usei essa influência para ajudar meu partido, nunca em proveito próprio. Pedia ajuda a esses empresários: “Dizia: ‘Olha, você sabe que eu nunca pedi propina, mas preciso de tal favor para o partido’”. Eles sempre ajudaram. Fiz o que todas as lideranças políticas fazem. Era minha obrigação como único governador eleito do DEM.

Esse dinheiro era declarado?
Isso somente o presidente do partido pode responder. Se era oficialmente ou não, é um problema do DEM. Eu não entrava em minúcias. Não acompanhava os detalhes, não pegava em dinheiro. Encaminhava à liderança que havia feito o pedido.

Quais líderes do partido foram hipócritas no seu caso?
A maioria. Os senadores Demóstenes Torres e José Agripino Maia, por exemplo, não hesitaram em me esculhambar. Via aquilo na TV e achava engraçado: até outro dia batiam à minha porta pedindo ajuda! Em 2008, o senador Agripino veio à minha casa pedir 150 mil reais para a campanha da sua candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Sousa (PV). Eu ajudei, e até a Micarla veio aqui me agradecer depois de eleita. O senador Demóstenes me procurou certa vez, pedindo que eu contratasse no governo uma empresa de cobrança de contas atrasadas. O deputado Ronaldo Caiado, outro que foi implacável comigo, levou-me um empresário do setor de transportes, que queria conseguir linhas em Brasília.

O senhor ajudou mais algum deputado?
O próprio Rodrigo Maia, claro. Consegui recursos para a candidata à prefeita dele e do Cesar Maia no Rio, em 2008. Também obtive doações para a candidatura de ACM Neto à prefeitura de Salvador.

Mais algum?
Foram muitos, não me lembro de cabeça. Os que eu não ajudei, o Kassab (prefeito de São Paulo, também do DEM) ajudou. É assim que funciona. Esse é o problema da lógica financeira das campanhas, que afeta todos os políticos, sejam honestos ou não.

Por exemplo?
Ajudei dois dos políticos mais decentes que conheço. No final de 2009, fui convidado para um jantar na casa do senador Marco Maciel. Estávamos eu, o ex-ministro da Fazenda Gustavo Krause e o Kassab. Krause explicou que, para fazer a pré-campanha de Marco Maciel, era preciso 150 mil reais por mês. Eu e Kassab, portanto, nos comprometemos a conseguir, cada um, 75 mil reais por mês. Alguém duvida da honestidade do Marco Maciel? Claro que não. Mas ele precisa se eleger. O senador Cristovam Buarque, do PDT, que eu conheço há décadas, um dos homens mais honestos do Brasil, saiu de sua campanha presidencial, em 2006, com dívidas enormes. Ele pediu e eu ajudei.

Então o senhor também ajudou políticos de outros partidos?
Claro. Por amizade e laços antigos, como no caso do PSDB, partido no qual fui líder do Congresso no governo FHC, e por conveniências regionais, como no caso do PT de Goiás, que me apoiava no entorno de Brasília. No caso do PSDB, a ajuda também foi nacional. Ajudei o PSDB sempre que o senador Sérgio Guerra, presidente do partido, me pediu. E também por meio de Eduardo Jorge, com quem tenho boas relações. Fazia de coração, com a melhor das intenções.

Para mim, essa entrevista selou o disgnóstico que tenho sobre o Arruda: um baita de um sociopata amoral!

17 março 2011

Avaliação de políticas públicas!


Avaliação de políticas públicas é objeto de pesquisa

A cientista política Marta Arretche vem desenvolvendo importantes pesquisas na área de avaliação de políticas públicas no Brasil, principalmente políticas sociais. Ela acredita que o interesse acadêmico no funcionamento do Estado brasileiro permite avançar no conhecimento sobre a nossa realidade. Para ela, as pesquisas empíricas permitem superar as interpretações baseadas num reduzido conhecimento efetivo e. essas pesquisas podem auxiliar aos que operam a máquina pública. As pesquisas que Arretche e outros pesquisadores da área vêm desenvolvendo também podem fornecer base de informação para a gestão do Estado. Atualmente, a pesquisadora se dedica à pesquisa e ensino na Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), campus de Araraquara.

ComCiência - É possível "medir" a eficiência das políticas públicas adotadas no Brasil? A senhora poderia explicar como isso é feito e salientar as principais etapas? Quais fontes de dados podem ser consideradas seguras para a avaliação das políticas adotadas no Brasil?
Marta Arretche - É preciso, em primeiro lugar, saber o que se entende por "medir" a eficiência de uma política. Na linguagem de avaliação de políticas, convencionou-se dizer que a eficiência de uma política está associada à relação entre o esforço para implementá-la e os resultados alcançados. Há técnicas estatísticas de avaliação de eficiência que permitem estimar esta relação, sim. É claro que são sempre aproximações e estimativas que dependem em grande parte da confiabilidade das informações e dados com os quais se conta. A confiabilidade e disponibilidade dos dados, por sua vez, varia muito em função da política pública em questão. Nas áreas de saúde e educação, por exemplo, nós temos muito mais informação disponível do que possibilidade de analisá-la. Em outras áreas, há uma grande deficiência de informações, o que obriga o investigador a trabalhar com dados aproximativos. Não é possível listar uma fonte ou fontes seguras de dados. A utilidade dos dados disponíveis depende muito da política e do problema em questão. Mas é certo que no Brasil avançamos muitíssimo nos últimos anos no que diz respeito à quantidade, qualidade e confiabilidade dos dados disponíveis para pesquisas de avaliação.

ComCiência - Qual a importância social e econômica de se conhecer os resultados das políticas públicas adotadas no Brasil?
Arretche - Há uma importância política fundamental, que é de ordem democrática. Ao implementar políticas públicas, o governo gasta dinheiro que não é seu, mas do contribuinte. Assim, a avaliação de políticas públicas é a forma pela qual o governo pode prestar contas à sociedade pelo uso de recursos que são públicos. Do ponto de vista do cidadão, a avaliação permite o controle social sobre o uso de recursos que são, em última instância, da sociedade. Em segundo lugar, o emprego mais eficiente de recursos públicos implica, na prática, a maximização de recursos, na medida em que tem como conseqüência, que um maior número de beneficiários pode ser atingido com um mesmo volume de recursos. Somente avaliações tecnicamente bem feitas podem responder com segurança a questões desta natureza.

ComCiência - As avaliações que vêm sendo feitas atualmente no Brasil são eficientes? Como estão as pesquisas acadêmicas sobre a avaliação de políticas públicas no Brasil? Como os resultados dessas pesquisas podem otimizar as avaliações?
Arretche - É impossível falar "das avaliações" em geral, como que se elas fossem um conjunto homogêneo. Há boas e más avaliações, assim como há avaliações objetivas e avaliações inteiramente tendenciosas. No Brasil, há um interesse crescente nessa área de investigação e há excelentes equipes tanto no meio acadêmico como em institutos independentes de pesquisa, assim como em órgãos do governo. Têm se multiplicado as equipes de avaliação, assim como os seminários, encontros e cursos nessa área. As avaliações sobre os resultados das políticas aplicadas indicam que há uma relação positiva entre a credibilidade da fonte e a aceitação da avaliação. Também a utilidade das avaliações depende em grande parte da percepção sobre quem as realiza e da influência do receptor interno ao órgão governamental que está sendo avaliado. Por fim, considera-se que a forma pela qual a informação sobre a avaliação é compartilhada entre os vários atores interessados é de fundamental importância para a influência que os resultados da avaliação possam vir a exercer. Em tese, uma avaliação é considerada boa quando é útil (isto é, refere-se a uma política de relevância), é oportuna (isto é, é realizada em tempo hábil); é ética (isto é, foi realizada com critérios e medidas justos e apropriados) e é precisa (isto é, empregou procedimentos adequados).

ComCiência - A importância dada nos países do primeiro mundo para a avaliação das políticas públicas adotadas é maior que nos países do terceiro mundo? Por quê?
Arretche - Penso que a diferença mais importante diz respeito à longevidade dos regimes democráticos, isto é, a tradição de avaliação diz menos respeito ao nível de riqueza de um país e, mais à necessidade de prestar contas à sociedade. Penso que a competição política e o controle dos eleitores sobre o desempenho dos governos tende a estimular pesquisas de avaliações das políticas públicas. No Brasil, nós tivemos essa experiência. O interesse pelos estudos de avaliação de políticas cresceu tremendamente com a democratização e a competição eleitoral.

ComCiência - Quais os principais atores envolvidos na formulação e implementação de políticas públicas no Brasil? Qual o papel e contribuição desses atores para melhorar a eficiência dessas políticas no país e como a participação popular direta na avaliação pode contribuir para melhorar o planejamento dessas políticas?
Arretche - Os atores envolvidos na formulação e implementação de políticas variam enormemente de acordo com a política em questão. Há políticas que envolvem um número reduzido de atores, ao passo que outras, como é o caso da política de saúde, por exemplo, envolve os três níveis de governo, organismos internacionais, provedores privados de serviços, a indústria farmacêutica e hospitalar, assim como seguradoras privadas. Somente a análise de cada política particular pode listar os atores envolvidos, seus papéis e sua importância para a avaliação. Em algumas políticas, a participação popular tem se revelado de enorme importância. Essa participação pode ocorrer sob diversas formas, desde o preenchimento de questionários de consulta sobre o grau de satisfação da população com o serviço recebido até a organização de grupos permanentes de avaliação do desempenho de uma dada política.

ComCiência - Como as diferenças regionais entre os estados brasileiros são consideradas nas avaliações nacionais das políticas públicas?
Arretche - Há uma tradição no Brasil de considerar as diversidades regionais na avaliação de políticas. Isto se deve às enormes disparidades que caracterizam as regiões brasileiras. Entretanto, os estudos mais recentes têm revelado que o recorte regional "esconde" desigualdades no interior das regiões e a agregação analítica por regiões pode comprometer a análise. Outros estudos, ainda, têm revelado que as políticas e ações empreendidas pelos governos locais, dada sua autonomia federativa pós-88, têm se revelado muito importantes. Há governos locais em regiões muito pobres que têm revelado um desempenho superior ao de governos locais em regiões mais ricas.

ComCiência - Pensando no contexto político-econômico dos últimos 10 anos, qual o perfil que as políticas públicas brasileiras vêm adquirindo? Quais são as perspectivas para o futuro?
Arretche- É muito difícil falar das políticas públicas em geral. Em termos muito gerais, podemos dizer que há fortes tendências no Brasil em direção à descentralização, à participação do cidadão sob a forma de conselhos os mais diversos, à introdução de mecanismos de parceria com o setor privado, à privatização, à introdução de mecanismos regulatórios estatais e assim por diante. Mas isso é ainda muito genérico, pois varia de acordo com o tipo de política. É mais difícil ainda falar de perspectivas para o futuro. As tendências acima mencionadas não são tendências universais, mas opções de governo. Isso quer dizer que a alternância de governos, que é própria às regras do jogo democrático, pode implicar uma reversão dessas tendências num futuro próximo.

Debate!

Cômico ou trágico?

15 março 2011

Mais da saga partidária brasileira (retirado da Folha)!

Liberais de fachada

SÃO PAULO - Não há mais partidos "liberais" no Brasil. Reportagem de Uirá Machado e Mauricio Puls, na Folha de ontem, mostrou que a partir da redemocratização, em 1985, das oito legendas que usaram a expressão "liberal" no nome só resta o nanico PSL, "social liberal".

O PL se fundiu com o Prona e virou PR em 2006; o PFL resolveu ser Democratas em 2007. O primeiro cresceu à sombra dos governos Lula e Dilma. O segundo mingua porque não consegue sobreviver na oposição. Ambos são partidos de direita. E nenhum dos dois nunca foi, a rigor, "liberal". São variações do clientelismo brasileiro.

"Liberal" é uma marca em desuso. Em termos substantivos, o liberalismo por aqui nunca passou de fantasia retórica, mais ou menos conveniente às elites dirigentes, conforme o período histórico.

Já fomos escravocratas na prática e "liberais" no discurso; ainda hoje somos, em grande medida, reféns do patrimonialismo, apesar dos ares modernizadores depois de quase duas décadas de hegemonia política de PSDB e PT. Em parte, ambos foram assimilados pelas forças do atraso, com as quais convivem em relativa harmonia, sempre em nome da "governabilidade".

O fato é que ainda somos bastante conservadores, embora nosso último partido "conservador" tenha morrido com a República Velha. O atual "consenso social-democrata" que se formou no país com FHC e Lula merecerá mesmo esse nome?

Não, se pensarmos no Estado de Bem-Estar Social e na universalização de direitos básicos que ele pressupõe. Nossas escolas públicas não ensinam, nossos hospitais públicos ainda maltratam seus doentes. Um programa de exceção, como o Bolsa Família, que serve de paliativo para aplacar a miséria extrema, se tornou a grande vitrine social do lulismo. Social-democracia, isso?

Temos, se tanto, um Estado de Mal-Estar Social. Parece, ainda, um problema bem mais sério que os muxoxos dos liberais de fachada à procura da identidade perdida.

04 março 2011

Texto interessante.. momento de transição partidária!

O segundo momento dos partidos pós-79

Política

Autora: Maria Inês Nassif

Valor Econômico - 03/03/2011 p. A-6


Este é o segundo momento do quadro partidário brasileiro. O primeiro
começou em 1979, quando a ditadura acabou com o bipartidarismo criado pelo
Ato Institucional nº 2, de 1966, que extinguiu o quadro partidário
anterior. A implosão da esquerda peemedebista, de um lado, em vários
partidos; o esvaziamento eleitoral do PDS, legenda de apoio à ditadura, e
a tentativa de formar "linhas auxiliares" de um governo ainda militar, de
outro, definiram um quadro partidário com tendência à pulverização, tantoà
esquerda como à direita.

O PMDB, esvaziado à esquerda, manteve sua centralidade política como
herdeiro da oposição institucional ao regime durante algum tempo, quando
boa parte do chamado grupo autêntico, que botou a cara para bater e correu
riscos inclusive físicos de seopor à ditadura, migrava para outras
legendas sem levar junto o prestígio do antigo partido.

Enquanto o centro oposicionista defendia manter a unidade em torno do
PMDB, a esquerda, exceto os partidos comunistas, que ainda não haviam sido
legalizados, procurou novos rumos. Vindos do exílio, Leonel Brizola e
Miguel Arraes reuniram partidários e procuraram consolidar territórios
próprios - Brizola, como herdeiro do velho petebismo, perdeu a legenda do
PTB devido a manobras legais do regime e fundou o Partido Democrático
Trabalhista (PDT); Arraes, sem conseguir ganhar espaço dentro doPMDB, sua
primeira escolha partidária, acabou tomando o PSB. PDT e PSB nasceram em
torno de lideranças carismáticas e viveram sob o controle absoluto de
Brizola e Arraes. O PT, que vinha da experiência do movimento sindical dos
anos 80 e atraiu grupos da esquerda mais radical e os movimentos de base
da igreja progressista, teve uma origem menos personalista.

O ex-governador de Pernambuco fez um herdeiro, o atual governador Eduardo
Campos. Ele toca o PSB ao estilo do avô. Quando Brizola morreu, sem ter
deixado sucessores naturais - embora vários de seus netos estejam na
política -, jogou o PDT numa profunda crise. O brizolismo é uma opção
política em extinção; o PDT, um partido sem rumo.

O PSB, todavia, foi levado pelo pragmatismo do avô Miguel Arraes, e agora
pelo neto Eduardo Campos. Arraes manteve suas pretensões políticas dentro
dos limites de Pernambuco e fez acordos para ampliar o partido em outros
Estados. Manteve uma equação política de absoluta hegemonia na política
pernambucana, quebrada pouco antes de sua morte por desgastes acumulados
em sucessivos períodos no governo; e controle total sobre as seções
estaduais, que manipulava de acordo com os seus interesses regionais e
nacionais. Alianças reiteradas nas eleições proporcionais com o PT
mantiveram o partido dentro dos limites mínimos de representação exigidos
pela lei, depois derrubados pelo Supremo Tribunal Federal. Arraes atraiu,
em São Paulo, a ex-prefeita Luiza Erundina, quando ela rachou com o seu
partido de origem, o PT; na Bahia, levou um núcleo que sempre atuou junto
ao PCdoB e que girava em torno da ex-prefeita Lídice da Mata. Erundina e
Lídice mantiveram-se no PSB por absoluta falta de opção, mas tinham
discordâncias acentuadas quanto à forma de condução do partido por Arraes.
Voltam a entrar na linha de confronto com as articulações de Eduardo
Campos para cooptação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, hoje no
DEM. Nãoé uma adesão confortável para quadros efetivamente socialistas do
partido.

O pragmatismo do neto de Arraes tem mantido o partido em crescimento,
embora sob constante crise de identidade. O PDT, acostumado a funcionar
sob a batuta de um único líder, não tinha ninguém que minimamente
desempenhasse o papel antes exercidopor Brizola, nem mecanismos de decisão
internos democráticos que o substituíssem. Os partidos comunistas, que
ganharam identidade própria apenas após o governo José Sarney, quando
foram legalizados, também sobreviveram na órbita de partidos maiores - o
PCdoB ganhou representação parlamentar às custas de alianças proporcionais
com o PT; o PCB, depois PPS, agora mantém essa equação com o PSDB, embora
tenha feito, no passado, algumas alianças com o PT.

O quadro partidário pós-Lula já é um segundo momento daquele formado
pós-79, no final da ditadura. Os partidos que se consolidaram e polarizam
na política nacional, o PT e o PSDB, vivem crises de identidade - o
primeiro, por ser governo; o segundo, por estar a tanto tempo fora do
poder federal. Os pequenos partidos de esquerda, alguns perderam as
lideranças que lhe davam rumo e outros, a organicidade dada por ideologias
que entraram em crise no mundo e projetos de poder que foram assumidos
pelopartido que exerceu a hegemonia sobre o bloco nas últimas décadas, o
PT. A direita ideológica, em especial o DEM, montou uma estrutura
partidária baseada em chefes políticos locais, e eles perderam espaço nas
regiões mais pobres durante o governoLula. Os líderes regionais não estão
conseguindo se reaproximar dos velhos redutos - daí a tentativa de Kassab
de driblar a lei para se encontrar, mais na frente, com um partido a sua
esquerda, o PSB, e por meio dele compor a base do governo federal.

É um quadro que, por exaustão de algumas fórmulas tradicionais de
organização partidária, tende a ser menos pulverizado. E vai ser
concentrado rapidamente quando for proibida a coligação nas eleições
proporcionais. Exceto o PSB, por pragmatismo de Campos, os demais partidos
de esquerda dependem da coligação proporcional para sobreviver. Da mesma
forma, os pequenos partidos de direita aliados ao governo terão
dificuldade de manter suas bancadas. Os médios e pequenos partidos de
direita que se apoiam no PSDB estão com o mesmo problema. Já foram
praticamente desalojados pela derrota do candidato José Serra à
Presidência. E têm dificuldades de sobreviver fora do poder. A aproximação
deles ao governo era previsível. Ainda assim, se a coligação proporcional
for proibida, não há governo que os salve.