Trechos do artigo do historiador e politólogo argentino, Natalio Botana, no La Nacion (06).
1. A imposição e a intolerância pairam constantemente sobre nossa sociedade. A imposição se refere ao exercício hegemônico do poder. O exemplo mais simples de entender esse conceito de controle do executivo é aquele que diz respeito ao comportamento e à conduta centralizadora dos atuais governantes. Quando se mergulha nas entranhas dos conflitos e harmonias, se poderá advertir que este ânimo imposto, incapaz de entender razões e partilhar outro ponto de vista, impregna todos os tipos de instituições. Desde baixo até o alto, a hegemonia circula por todas as partes.
2. A paixão e a cegueira que estão espalhadas pelo espaço público fabricam inimigos e envolvem o discurso em uma atmosfera de guerra. Sempre voltamos ao processo eleitoral: quem é o inimigo? Como atacá-lo? Qual é o método mais eficaz para a difamação? À vista de tanto círculo vicioso, esta é uma história repetida, amálgama de escrachos, falsificações anônimas e supostos julgamentos populares. No repertório do nosso comportamento existem escrachos bons e escrachos maus, dependendo de quem é o depositário das ações.
3. Mas quase toda a ideologia oprimida com vocação totalitária, quando trata de sair desta situação, busca se tornar opressora. Isto se assemelha perigosamente aos ventos que sopram nestes dias, impulsionado por uma versão elementar de justiça, que como uma máscara, esconde o apetite por vingança. Esse suposto "direito a intolerância", Voltaire classificava como "absurdo e bárbaro". É um jacobinismo adoçado, sem comitês de salvação pública, nem guilhotina, consagrado a converter a trajetória da cada um (até agora tiveram sorte os jornalistas) em um registro policial.
4. Devemos nos perguntar se essa atmosfera contribui para consolidar as instituições do Estado de Direito. Definitivamente não! A causa dos erros e mentiras que são postas em circulação e do equívoco que supõe aplicar um conceito hegemônico da política a uma sociedade fragmentada, diversa em sua estrutura, mas ainda incapaz de transformar essa heterogeneidade em um pluralismo construtivo. A essa tarefa de reconstrução devem destinar-se as oposições, em defesa do valor da tolerância.
Pessoal: eu acho que esse é um texto que só poderia ter sido escrito na Argentina, um lugar onde a política é muito radicalizada e a existência de processos de conciliação entre facções adversárias são extremamente difíceis de acontecer. Nesse caso, o vencedor sempre "leva tudo". Para as políticas públicas, isso é um desastre, pois não há continuidade. Cada mudança de elites gera uma troca de quase todos os atores importantes e uma rejeição de tudo que esteja relacionado com a administração anterior. O resultado é um retrocesso institucional muito grave naquele país. Por isso, temos que zelar para as lutas políticas no Brasil não se acirrem a ponto de fechar canais de diálogo entre vencedores e perdedores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário