Chile e Brasil: duas transições
As ditaduras militares em série que assolaram a América Latina no século XX trouxeram cicatrizes e feridas políticas que nossos países compartilham. Ainda há inúmeros desaparecidos e crimes de guerra não solucionados que voltam para assombrar populações inteiras e influenciar decisões políticas que tomamos agora.
Brasil e Chile são dois bons exemplos disso. Ambos vivenciaram regimes fechados e tiveram experiências violentas, mesmo que em intensidades diferentes. Os militares brasileiros estiveram no poder por 21 anos, alternando generais escolhidos por colégios eleitorais que contavam com membros da elite política civil. Os chilenos tiveram Augusto Pinochet como presidente da república entre 1973 e 1990, uma administração tão controversa que divide os chilenos até hoje.
Nos dois casos, a volta à democracia foi controlada pelos militares e negociada com setores da sociedade civil. No caso brasileiro, a mudança aconteceu tendo como pano de fundo uma crise econômica que consumiu rapidamente a legitimidade dos presidentes/generais. No Chile, Pinochet devolveu o governo aos civis ainda com grande aprovação popular, conquistada especialmente pela melhoria dos indicadores econômicos e sociais do país.
Para os brasileiros, a democracia começa verdadeiramente com as eleições diretas em 1989 e a ascensão de Fernando Collor, um político de direita com discurso modernizante, mas ligado a velhas elites tradicionais. Nesse mesmo ano, os chilenos escolhiam o político de centro esquerda Patrício Alywin.
Entretanto, as eleições diretas não encerraram os processos de transição democrática. No Brasil, era necessário uma alternância presidencial em termos ideológicos. Collor foi impedido pelo Congresso, acusado de corrupção. Itamar assumiu e deu lugar a Fernando Henrique. Entretanto, a virada aconteceu com Lula. O candidato petista, de orientação socialista, venceu o pleito de 2002 e ascendeu ao poder sem ameaças de reações violentas por parte das antigas forças conservadoras.
Se Lula devolver o poder pelas vias normais, e tudo indica que isso acontecerá, poderemos considerar que nosso longo caminho de volta à democracia estará completo.
No Chile, a coalizão de centro esquerda (concertácion) substituiu Pinochet e permane no poder desde então. Alywin foi sucedido por Eduardo Frei (1994), Ricardo Lagos (2000) e Michelle Bachelet (2006). Se adotarmos a mesma lógica que foi utilizada para interpretar o Brasil, caso a direita vença as eleições presidenciais deste ano (Sebastián Pinera venceu o primeiro turno com 44% dos votos contra o ex-presidente Eduardo Frei), então poderemos dizer que a transição no Chile também terá acabado.
A alternância de governantes é bastante salutar e demorou para ser incorporada como valor político no Brasil e no Chile. Por isso, é importante notar esses passos, pois eles nos levam rumo à consolidação das instituições e podem ser interpretados como grande sinal de amadurecimento político dos nossos calejados países.
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