Saiu no 'Estadão':
Guerreiros ou brameiros
Ugo Giorgetti
Não sei por que ando pensando muito num comercial da Brahma que andou, ou anda, pelas televisões.
De fato ele não me sai da cabeça.
Fiquei tão intrigado que recorri até ao site do Clube de Criação de S.Paulo, onde não só o encontrei na íntegra, como tive a surpresa de encontrar também declarações do diretor de marketing da Brahma que, por sua vez, vieram aumentar meu assombro.
Queria, logo de início, pedir licença ao diretor da empresa para refutar uma de suas declarações.
Diz ele: "Com a campanha não queremos impor nada a ninguém. Queremos apenas ser porta-vozes do povo brasileiro."
Bem, meu porta-voz esse comercial não é, isso eu posso garantir.
E, espero, também não seja de boa parte do povo brasileiro.
Para quem não sabe, o comercial descreve a atitude ideal do torcedor brasileiro em relação à Copa do Mundo que se aproxima. Consta de uma sucessão de imagens bélicas e melodramáticas, onde supostos torcedores carrancudos, gritam, choram e batem no peito.
Para deixar ainda mais claro a observadores menos atentos que o que se espera realmente são guerras e batalhas, mistura essas cenas com outras, fictícias, devidamente produzidas e filmadas, de um grande exército medieval em ação. Se as imagens falam por si, o pior é o som.
Vozes jovens alucinadas urrando palavras de ordem num tom ameaçador, histérico, a lembrar manifestações das mais radicais e intolerantes agrupamentos que, infelizmente, existem no interior de qualquer sociedade.
Eu me permito transcrever algumas das frases vociferadas: "Eu queria que a seleção fosse para a Copa, como quem vai para uma batalha!" "Eu quero guerreiros!", "Vamos para a guerra juntos! 180 milhões de guerreiros!" "Sou guerreiro!" No final do filme, num golpe de surrealismo que faria as delícias de Luis Buñuel, o locutor, contrariando o tom anterior de toda a mensagem, recomenda sabiamente: "Beba com moderação." O diretor de marketing da Brahma, no mesmo site do Clube de Criação continua: "A mensagem que queremos passar ao torcedor é que, além de ser a primeira marca brasileira a patrocinar oficialmente uma Copa do Mundo, o desejo da Brahma é despertar a atitude guerreira da seleção em todos os 190 milhões de brasileiros." Com todo o respeito que tenho pela Brahma, cuja publicidade acompanho, até por dever de ofício, há mais de quarenta anos, e que me pareceu sempre celebrar a alegria e a irreverência popular, essas declarações inspiram alguns comentários. O que eu espero da seleção é que jogue bola.
Acho que o que nos derrotou em 2006 não foi a falta de guerreiros, mas foi o Zidane, que não era exatamente um guerreiro.
Quanto aos 190 milhões, espero que honrem nossa tradição de saber perder, como fizemos em 1950 em pleno Maracanã, ou como fizemos em 1982, encantando o mundo.
O resto é apenas apelar para o que há de pior na sociedade brasileira.
Que é o que faz esse equivocado comercial dessa grande empresa.
E de repente, a razão pela qual penso nele com tanta freqüência me aparece claramente: é que, de certo modo, o confundo com as cenas reais que aconteceram no estádio de Curitiba domingo passado.
Ao revê-las me ocorre uma pergunta: os torcedores que, ensandecidos, fizeram o que fizeram no Paraná seriam "guerreiros" ou "brameiros"?
Ou os dois?
Infelizmente não foi possível alertá-los para invadirem e quebrarem tudo "com moderação".
Disse tudo! Faltou responsabilidade à Brahma!
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