26 julho 2009

O ocaso de Sarney!


O arcaico e o moderno no velório de Sarney

A crise política que envolve o Senado Federal e que enterrou a biografia política de José Sarney não é nova. Há pelo menos 10 anos a Casa de representação dos estados brasileiros vive em turbulência permanente. Nesse período, dois presidentes abdicaram do cargo (Barbalho e Calheiros) e pesos-pesados da política brasileira renunciaram para não perderem seus direitos políticos, como Antônio Carlos Magalhães, Arruda e Roriz.

Os pecados individuais dos senadores explicam apenas em parte a crise da instituição, pois há uma razão estrutural. O Senado Federal é onde o Brasil tradicional e o Brasil moderno se encontram. As crises são estrondos de dois mundos que estão perdendo sua capacidade de coexistir.

Por muito tempo, as elites tradicionais e progressistas conseguiram estabelecer acordos de convivência pacífica. Enquanto esse encontro gerou revoluções e guerras em outros países, no Brasil prevaleceu um pacto que tem suas raízes na política dos governadores de Campos Salles e vem mantendo a mesma lógica desde então: os “coronéis” preservam autonomia sobre seus feudos e a “burguesia” desenvolve suas indústrias com subsídios do governo central.

O Congresso Nacional é o local onde esses dois “brasis” se encontram e negociam. Basta analisar as presidências das duas Casas. Enquanto a Câmara é comumente presidida por parlamentares de perfil modernizante (as exceções foram Inocêncio de Oliveira e Severino Cavalcanti), o Senado é comandado por representantes de grupos tradicionais (Lucena, Benevides, Magalhães, Barbalho, Lobão, Tebet, Sarney, Calheiros, Garibaldi Alves e Sarney novamente).

O pacto garante uma posição privilegiada para o arcaico. Prova disso são as gravações envolvendo o presidente Sarney e seus familiares para a ocupação de um cargo de confiança do Senado. Tudo aconteceu no coração do poder, e não em um município perdido no interior. Brasília não acomodaria um “Maranhão” (com todo respeito aos maranhenses, vítimas disso tudo) se não fosse a conivência de “São Paulo”, “Rio de Janeiro”, etc.   

Entretanto, esse equilíbrio está se rompendo. A instabilidade do Senado Federal mostra que o nível de tolerância da sociedade civil com as práticas políticas antigas acabou.

Por um lado, há o crescimento econômico e a emergência de elites locais modernas em redutos tradicionais. Por outro, a opinião pública, algumas instituições públicas de controle (em especial o TCU, a Polícia Federal e a CGU) e organizações da sociedade civil (sites de fiscalização de contas públicas, por exemplo) conferiram uma nova dinâmica ao jogo político. Esses atores produziram uma “enxurrada” de informações sobre os bastidores do poder e o resultado é o questionamento e o banimento de velhos costumes.

A crise atual do Senado é um capítulo da evolução da civilização brasileira. O alvo da opinião pública não é a pessoa física do presidente José Sarney, mas aquilo que a sua imagem representa: o patriarca que distribui privilégios aos seus familiares e agregados, que seqüestra o patrimônio público e transforma-o em propriedade de uso privado, remetendo-nos de volta ao Brasil colonial.

Se há vilões bem definidos, os brasileiros ainda não conseguiram identificar seus heróis. Quem são os políticos que liderarão a modernização definitiva das nossas instituições? O espaço do pragmatismo excessivo está diminuindo e os eleitores se tornando mais seletivos. Nas eleições de 2006, dos 40 deputados envolvidos com o escândalo dos sanguessugas que tentaram a reeleição, apenas 5 conseguiram voltar.

O caso Sarney é emblemático. A descoberta de atos patrimonialistas triturou a carreira e a história política de um ex-presidente da República e chefe do maior partido político do país em menos de 6 meses. Não é pouca coisa.

Tudo indica que o pacto político entre o Brasil arcaico e o Brasil moderno foi irreversivelmente quebrado. Mesmo que Sarney seja substituído por outros caciques regionais, eles serão destruídos em velocidade cada vez maior. Os políticos devem estar atentos para o lado que irão escolher e tratarem de atualizarem-se para acompanhar esse processo de modernização política que, a essa altura, é “providencial, durável e para o qual contribuem todos os homens e acontecimentos”*.

* Citação do pensador Alexis de Tocqueville, que previu o crescimento inevitável da democracia e o fim das sociedades aristocráticas européias.    

Um comentário:

Edwaldo Generozo disse...

Enquanto a reforma política não sai do discurso, uma mudança - ainda lenta - está ocorrendo na sociedade brasileira. Nós estamos deixando de falar em "voto consciente" para finalmente termos a consciência de que a nossa participação política é necessária. Ou seja, nosso compromisso não se restringe ao voto. Dessa forma, é bom reconhecer; viva a liberdade de imprensa, embora a família Sarney discorde.