11 agosto 2009

Governo ignora crise e gastos de custeio aumentam...

Levantamento mostra que, em alguns órgãos, despesas tiveram aumento de mais de 400% no primeiro semestre

Regina Alvarez (O Globo) 

BRASÍLIA
Em tempos de crise aguda, enquanto as empresas do setor privado apertaram o cinto, cortando gastos de custeio e revendo seus orçamentos, o setor público comportou-se, em alguns casos, como se a crise não existisse. 

Um levantamento dos gastos dos três poderes com diárias, passagens e locomoção, material de consumo, serviços de terceiros, locação de mão de obra e serviços de consultoria, no primeiro semestre de 2009, mostra enorme disparidade na evolução dessas despesas entre os órgãos. Há aumentos que superam 400% em relação ao mesmo período de 2008. 

O levantamento, feito com base em informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), indica que, no agregado, o Executivo elevou esses gastos em 17,7%, na comparação dos dois períodos - mais de três vezes a inflação registrada de julho de 2008 a junho de 2009 (4,8%). 

Os gastos com serviços de terceiros - pessoa física na Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - subiram 438%, passando de 27,6 mil para R$ 148,9 mil. No Ministério das Relações Exteriores, as despesas com material de consumo cresceram 119%. Somavam R$ 1,883 milhão no primeiro semestre de 2008 e pularam para R$ 4,134 milhões no mesmo período deste ano. 

Especialistas ouvidos pelo GLOBO destacam que, na crise, o setor público e o setor privado desempenham, de fato, papéis diferentes. Enquanto o setor privado se retrai naturalmente, cortando gastos e cancelando ou adiando investimentos, cabe ao setor público ampliar seu espaço na economia para evitar a recessão. E isso ocorre pelo aumento dos gastos públicos. O problema que todos apontam é a qualidade do gasto que cresceu durante a crise. - Não se pode querer que o governo tenha uma postura de iniciativa privada. A empresa olha para o seu umbigo, e isso não é negativo, mas o governo precisa ter uma visão de conjunto da sociedade - diz o economista Julio Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e atual diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Almeida defende políticas anticíclicas e gastos sociais, mas frisa que certas despesas de custeio não podem seguir crescendo nas "franjas" dessas políticas. 

Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, o governo teria que substituir o setor privado no papel de liderar os investimentos. Mas, segundo ele, o que aconteceu no auge da crise foi o oposto. - Nos últimos cinco anos, os investimentos vinham crescendo mais do que o gasto corrente. De novembro pra cá, houve uma inversão, e o gasto corrente passou na frente. Na hora em que deveria subir o peso do investimento, aconteceu o contrário. O governo deixou os órgãos aumentarem os gastos sem se preocupar com a qualidade desses gastos - observa Velloso.  

A necessidade do exemplo na gestão do gasto público também é ressaltada pelo cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). - O governo perde a oportunidade de dar um tipo de demonstração simbólica. Mesmo despesas que não têm um peso tão grande no Orçamento têm um impacto simbólico - disse, referindo-se aos aumentos elevados de gastos de custeio no auge da crise. 

O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) informou que o aumento dos gastos com material de consumo - de 406%, segundo levantamento no Siafi - decorre da ampliação das políticas implementadas nos municípios. Segundo a assessoria, o ministério está presente em todos os municípios brasileiros, com 20 ações em áreas como assistência social, transferência de renda. "O crescimento desta despesa específica acompanha a evolução do orçamento e de todos os projetos do ministério desde a sua criação, em 2003. Hoje, o orçamento global do MDS, de R$ 33 bilhões este ano, é quatro vezes maior do que o executado no seu primeiro ano de funcionamento", afirma. A Casa Civil informou que o aumento de despesas com serviços de terceiros da Presidência da República decorre de contratos para a adequação dos prédios ocupados pelos funcionários do Palácio do Planalto, que está em reforma. Houve antecipação de campanhas institucionais, o que ampliou gastos com publicidade da Secretaria de Comunicação da Presidência. O Ministério da Integração Nacional justificou o aumento na despesa com "Serviços de Terceiros - Pessoa Jurídica" pelo crescimento da estrutura e de demandas. "O ritmo das obras do Projeto São Francisco acelerou, e isso refletiu no aumento de viagens, locações de veículos, despesas com passagens e diárias, em razão de acompanhamento e fiscalizações de obras". 

O Supremo Tribunal Federal (STF) - que aparece no Siafi com as despesas com diárias elevadas em 150% no primeiro semestre de 2009 em relação ao mesmo período de 2008 e as com passagens e locomoção, em 133,5% - informou que nesse cálculo estão computadas as despesas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No Siafi, os gastos do Supremo com diárias em 2009 chegam a R$ 1,6 milhão, mas a assessoria afirma que somente R$ 326,3 mil foram gastos pelos ministros no período. Em relação às passagens, o gasto informado pelo Siafi é de R$ 1,6 milhão em 2009 e, segundo a assessoria, a parcela de responsabilidade dos ministros foi de R$ 805,6 mil. A justificativa para o aumento das despesas dos ministros e equipe técnica é uma atuação mais intensa do STF nos estados, em função das articulações com os demais tribunais sobre a implantação da repercussão geral e súmula vinculante. 

Há também aumento da participação dos ministros e equipes em eventos internacionais. 

(Versão resumida da matéria)

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