Caso Sarney: liberdade, violência e censura no Brasil
A filósofa alemã Hanna Arendt acreditava que o sentido original da política é a liberdade. Tudo porque os gregos antigos concebiam o espaço político como um lugar sem barreiras nem restrições à participação dos cidadãos no debate público. A única regra era o respeito ao direito do outro de falar, pleitear e interagir. Negar o direto à fala e à divergência seriam atos anti-políticos na sua essência.
Seguindo por um caminho semelhante, professores de ciência política de todo o Brasil ensinam em suas turmas que a política é a capacidade de resolver conflitos de forma pacífica, nunca deixando de reconhecer (novamente) o direito que o oponente tem de lutar pelos mesmos recursos de poder que você busca. A partir do momento em que os atores buscassem resolver suas diferenças pela eliminação física ou política do adversário, sairíamos da seara política e entramos no mundo da guerra.
Todos os países que decidiram abraçar a democracia escolheram a liberdade de expressão como princípio fundador. Sem ela, não há política, mas guerra. Sua extinção é o primeiro sintoma de que algo vai mal, de que o Estado está a caminho de declarar seus próprios cidadãos como “inimigos da segurança nacional”, negando-lhes o direito à voz e, muitas vezes, à vida.
Por essas razões, a decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de censurar o jornal Estado de S. Paulo, proibindo-o de publicar detalhes de um processo judicial sobre operações suspeitas de familiares do senador José Sarney é um ato anti-político de extrema violência, praticado contra toda a sociedade brasileira. Na prática, ela não apenas retira a faculdade dos jornalistas de exporem publicamente o resultado de suas investigações, mas caça o direito que todos temos de sermos informados.
A censura é o recurso clássico dos regimes fechados. Ela busca anular os dissidentes políticos extinguindo o direito de falar livremente. Atores importantes como artistas, intelectuais, organizações populares e meios de comunicação são castrados naquilo que nasceram para fazer: divulgar e sensibilizar.
Em uma democracia, a capacidade crítica dos cidadãos e a qualidade de suas posições políticas estão associadas diretamente à pluralidade, independência e qualidade dos noticiários políticos. Portanto, ao redescobrir a censura no Brasil, Dácio Vieira pode ter cometido um pecado maior do que aqueles que podem estar escondidos sob o “segredo de justiça”.
O recurso impetrado pelo jornal Estado de S. Paulo contra a posição de Dácio Vieira possui contornos históricos, pois dirá o quão distante estamos da democracia plena. O passado e o futuro estão em via de se enfrentarem nas cortes superiores. De um lado estão os anos de chumbo, os atos institucionais e as receitas de bolo no lugar das notícias. Do outro, a transparência, o bem público e a maturidade política de um nação.
(Texto publicado no jornal Estado de S. Paulo - edição de hoje)
Um comentário:
Tenho que parabenizá-lo pelo manifesto. Se queremos realmente viver numa democracia plena, é preciso estar sempre atento àqueles que contribuem para a alienação da sociedade. Sim, porque proibir o jornal de publicar aquilo que é de interesse público, é afastar o povo da realidade.
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