17 abril 2009

Quanta mudança podemos esperar de Obama?


Artigo de NAOMI KLEIN DO THE NEW YORK TIMES

Há algo de podre na Obamalândia. Não está exatamente claro o que causou a mudança de humor. Talvez seja o cheiro de ranço emanando do último plano de resgate dos bancos do Ministério da Fazenda, ou as notícias de que o conselheiro econômico-chefe do presidente, Larry Summers, ganhou milhões com os mesmos bancos de Wall Street e com os fundos hedge que agora ele está protegendo de uma nova regulamentação. Talvez isso tenha começado antes, com o silêncio de Obama durante o ataque de Israel contra Gaza.


Qualquer que tenha sido a última gota, um número crescente de fãs de Obama está começando a vislumbrar a possibilidade de ele não vai, de fato, salvar o mundo somente porque temos firmes esperanças nisso. Isso é uma coisa boa. Se a cultura de superfanatismo que levou Obama ao poder se transformar em um movimento político independente, suficientemente intenso para produzir programas capazes de lidar com as atuais crises, teremos todos que parar de esperar e começar a exigir.


O primeiro estágio, no entanto, é compreender totalmente o estranho espaço no qual muitos movimentos progressistas dos EUA se encontram. Para fazer isso, precisamos de uma nova linguagem, uma que seja específica do momento de Obama. Este é um começo.


A esperança acabou. Como em uma ressaca, a perda da esperança vem da superindulgência com algo que era bom na época, mas que não era assim tão salutar, o que leva a sentimentos de remorso, e até mesmo de vergonha. É o equivalente político da queda após um pico de energia.


Depoimento: "Quando escutei o discurso econômico de Obama, o meu coração disparou. Mas então, quando tentei contar a um amigo sobre seus planos para as milhões de dispensas de funcionários e de execuções de hipotecas, percebi que não estava dizendo nada com nada. E tive uma séria ressaca como em um porre de esperança".


Uma montanha-russa de esperança. Como uma montanha-russa, esse sentimento descreve os intensos picos e as grandes depressões emocionais da era Obama, a mudança entre a alegria de ter um presidente que apóia a educação sexual e a decepção de saber que a assistência à saúde para segurados individuais está fora da mesa, justamente quando isso poderia realmente se tornar uma realidade. Depoimento: "Fiquei tão encantado quando Obama disse que iria fechar Guantânamo, mas agora eles brigando como loucos para certificarem-se de que os prisioneiros em Bagram não tenham nenhum direito legal. Pare esta montanha-russa de esperanças - quero descer!!".


Saudade da esperança. Como ter saudade de casa, há indivíduos que se sentem intensamente nostálgicos. Eles sentem falta deste sentimento de otimismo da época de campanha e ficam sempre tentando reviver aquele sentimento tão bom de esperança - geralmente por exagerarem na atribuição de significado a atos relativamente secundários ligados à decência de Obama. Depoimentos: "Realmente estava sentindo falta daquele sentimento de esperança depois de saber sobre a escalada da presença no Afeganistão, mas quando assisti a um vídeo no YouTube mostrando o jardim orgânico de Michelle, me senti como se fosse o dia da posse novamente. Algumas horas depois, quando escutei que a administração Obama estava boicotando uma grande conferência sobre racismo na ONU, aquela nostalgia de esperança voltou com força. Então, assisti a alguns slides mostrando Michelle vestindo roupas feitas por designers de moda de várias etnias, e aquilo parece ter me ajudado".


Viciado em esperança. Com o retrocesso da esperança, o viciado na esperança, assim como o viciado em drogas, entra em uma grave síndrome de abstinência, querendo fazer de tudo para ter aquele prazer novamente (muito relacionado à saudade da esperança, mas mais grave, pois geralmente afeta homens de meia idade). Depoimento: "O Joe diz que realmente acredita que Obama deliberadamente trouxe Summers para que ele derrube o pacote econômico e Obama tenha a desculpa perfeita para fazer o que realmente quer: nacionalizar os bancos e transformá-los em sindicatos de crédito. Que viciado em esperança!".


Quebra da esperança. Como o apaixonado de coração partido, o Obamaíta não está louco, mas profundamente triste. Fantasiou que Obama possuía poderes messiânicos e agora está inconsolável em seu desapontamento. Depoimentos: "Realmente acreditei que Obama finalmente nos forçaria a confrontar o legado de escravidão deste país e daria início a um sério diálogo nacional sobre raças. Mas agora ele parece evitar a menção ao tema racial, e está usando argumento legais distorcidos para impedir que nos confrontemos com os crimes da era Bush. Toda vez que escuto ele dizer: 'Vamos seguir adiante', me decepciono novamente".


Rebote da esperança. Como em um efeito chicote, o rebote da esperança é uma reversão de 180 graus de toda a filosofia de Obama. Os sofredores já foram os evangelistas mais fervorosos de Obama. Hoje são seus críticos mais algozes. Depoimento: "Pelo menos com Bush, todos sabiam que ele era um mau-caráter. Atualmente temos as mesmas guerras, as mesmas prisões sem lei, a mesma corrupção em Washington, mas todos estão comemorando como robôs. É hora de rebote total da esperança".


Na tentativa de nomear estes males da esperança, me peguei pensando sobre o que o saudoso Studs Terkel diria dessa perda de esperança coletiva. Ele certamente nos aconselharia a não entrar em desespero. Peguei um de seus últimos livros, Hope dies last (A esperança é a última que morre). Não precisei ler muito. O livro começa com as seguintes palavras: "A esperança nunca ruiu. Ela sempre se elevou". E acho que esta declaração diz tudo. A esperança era um ótimo slogan quando torcíamos pelo candidato à presidência improvável. Mas como uma postura em relação ao presidente da nação mais poderosa da Terra, este é um diferencial perigoso. A tarefa neste momento (como Obama gosta de dizer) não é abandonar a esperança, mas dar a ela um novo endereço - nas fábricas, nos subúrbios e nas escolas, onde táticas como protestos, assentamentos e ocupações ilegais estão ressurgindo.


O cientista político Sam Gindin escreveu recentemente que o movimento trabalhista pode fazer muito mais do que apenas proteger o status quo. Ele pode exigir, por exemplo, que fábricas de automóveis desativadas sejam convertidas em fábricas ecologicamente corretas, capazes de produzir veículos de massa e tecnologia para o sistema de energia renovável.


"Ser realista significa tirar a esperança dos discursos", disse ele, "e colocá-la nas mãos dos trabalhadores". O que nos traz ao final deste léxico.


Raízes da esperança. Depoimento: "É hora de parar de esperar que a esperança chegue de mãos beijadas, e começar a colhê-la das raízes da esperança".


Naomi Klein, colunista do The Nation e The Guardian em Londres, é autora de The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism. Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.

Texto capturado no site www.terra.com.br

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