28 abril 2009

Eleições no Equador! Vitória de Corrêa!


Primeiro governo de Correa foi marcado por discurso de "refundação" e tensão com Odebrecht

 

Fabiana Uchinaka e Thiago Scarelli do UOL Notícias em São Paulo

           

           

Atual presidente equatoriano, Rafael Correa é favorito para ganhar as eleições que serão realizadas neste domingo. Para analistas ouvidos pelo UOL Notícias, Correa concorre beneficiado pela popularidade de seu discurso de "refundação" e defesa da soberania do país, após dois anos de governo com uma política externa marcada por tensões diplomáticas com Brasil e Colômbia.

 

"Correa é um dos primeiros presidentes na história recente do Equador a conseguir completar um mandato. Antes dele, vários presidentes foram depostos por protestos populares", explica o cientista político Leonardo Barreto, professor da Universidade de Brasília.

 

Para o analista, os atuais 60% de popularidade de Correa - cuja aprovação nunca esteve abaixo dos 50% - se deve à "capacidade de canalizar a insatisfação da população com o Estado e com os serviços prestados e transformá-la em um discurso de ruptura e de refundação do país".

 

"Disso surge um movimento para aprovação de uma nova Constituição e ele se torna o grande almirante desse processo", continua Barreto, citando a nova Carta Magna do Equador, principal bandeira de Correa, aprovada no final do ano passado. "Então, quando você coloca o Correa competindo com outros adversários, não é só uma simples troca de poder. É a refundação do país contra as outras propostas. Fica desproporcional, e Correa obtém essa vantagem."

 

Wladimir Sierra Freire, diretor da Escola de Sociologia e Ciências Políticas da Pontifícia Universidade Católica do Equador, também destaca o sucesso do atual presidente ao aprovar a reforma constitucional, e acrescenta que "seu governo se caracterizou pelo trabalho de reforçar o Estado equatoriano".

 

Nesse sentido, o analista equatoriano afirma que a maior expectativa em relação ao possível segundo mandato de Correa é de "que a Constituição, que foi aprovada com forte apoio popular, se torne uma realidade, seja colocada em prática". Tal materialização significa, segundo Sierra Freire, "fomento à pequena indústria e à pequena produção agrícola, com apoio ao mercado interno, e seguir reforçando o Estado".

 

Já para o analista brasileiro, o impacto na vida do cidadão deverá medir o sucesso da política de Correa. "O Equador já superou a grande crise institucional. Agora as reformas e a nova Constituição serão testadas. O resultado material que isso trouxer para a vida das pessoas é que vai definir o futuro das reformas do Correa. Se o momento de prosperidade econômica continuar no Equador, Correa tem grandes chances de conseguir consolidar sua posição e suas reformas. Mas se o momento de crise for sério e o preço do petróleo cair, aí o mais provável que o (possível) segundo mandato termine em crise, porque carisma tem limite."

 

Personalismo

A oposição a Correa no Equador acusa o presidente de fazer discursos populistas e de utilizar a máquina estatal em benefício próprio, denunciando, inclusive, medo de fraudes nas votações deste domingo.

 

"O Correa faz parte dessa geração de políticos neopopulistas, como a gente costuma dizer, junto com Hugo Chávez, Evo Morales e Nestor Kirchner", explica o professor Leonardo Barreto. "O problema do líder de esquerda é quando ele passa por cima de partido, Congresso e demais instituições representativas para chegar à população. O populista mexe nas instituições para chegar às massas. E isso é ruim."

 

No entanto, Barreto vê diferenças entre o presidente do Equador e seus aliados, Chávez e Morales. "O ponto forte, no caso do Equador, é que o Correa é mais inteligente e tenta implantar uma institucionalização e, ao contrário da Venezuela e da Bolívia, não houve uma pressão muito forte para que a nova Constituição fosse aprovada. Houve um consenso."

 

Já o analista equatoriano avalia que o personalismo de Correa não significa ameaça à legalidade. "Houve abusos no uso da máquina pública, alguns excessos por parte do governo, mas não há desrespeito pela democracia", afirma Sierra Freire. "O governo vai perder a prefeitura de Guayaquil [nas eleições deste domingo] para a oligarquia burguesa, e não se pode pensar que o governo tentará fraudar os resultados. Guayaquil é a cidade mais populosa do país, mais forte economicamente, é um centro político importante, e os resultados serão respeitados."

 

A questão com a Odebrecht entra no contexto geral de retomada da presença do Estado, com revisão dos contratos das empresas estrangeiras, e a Odebrecht não foi a única

Wladimir Sierra Freire, diretor da Escola de Sociologia e Ciências Políticas da Pontifícia Universidade Católica do Equador

Caso Odebrecht

Nas relações com o Brasil, o governo de Correa foi marcado por críticas às obras realizadas pela empresa Odebrecht no Equador - especialmente em relação à Hidrelétrica de San Francisco, cujas operações foram suspensas por falhas estruturais entre junho e outubro de 2008, um ano após ter sido entregue pela construtora brasileira. Quito afirma ter encontrado indícios de irregularidades na obra e, em função disso, expulsou a empresa do país no final do ano passado.

 

O mesmo caso acabou envolvendo o banco brasileiro BNDES, financiador da hidrelétrica em questão. Ao denunciar falhas na obra, o Equador também recorreu à Câmara de Comércio Internacional (CCI) para analisar a possibilidade de suspender o pagamento da dívida relacionada. Em resposta, Brasil chegou a chamar seu embaixador em Quito para consultas, em sinal de desagrado.

 

O atual presidente, Rafael Correa, chega às eleições com aprovação interna de 60%, após dois anos de governo marcados pela ênfase na força do Estado e defesa da integração latino-americana. 
Economista formado nos EUA, o atual mandatário lidera o que chama de refundação do país, cujas bases legais foram assentadas pela nova Constituição, aprovada no final do ano passado. 
A oposição qualifica Correa como totalitário e denuncia abusos da máquina estatal

           

A respeito desta questão, os analistas concordam que não se trata de suposta perseguição contra uma empresa brasileira, mas uma iniciativa que deve ser vista dentro do conjunto de políticas de Correa que buscam demonstrar a soberania do Estado equatoriano.

 

"A questão com a Odebrecht entra no contexto geral de retomada da presença do Estado, com revisão dos contratos das empresas estrangeiras, e a Odebrecht não foi a única. Essa revisão foi feita no sentido de aumentar a participação estatal nos lucros e tornar a vigilância mais estrita, inclusive nas questões ambientais", relata o professor Sierra Freire.

 

Para Leonardo Barreto, o caso Odebrecht tem principalmente um significado simbólico para o governo de Rafael Correa.

 

"A questão é que o Brasil está se tornando uma grande referência para o continente, seja negativa ou positiva. Em determinados momentos, o Brasil é visto como imperialista e o Correa tem jogado com isso", analisa o cientista político brasileiro. "Quando Correa se opõe às empresas brasileiras, ele é visto como o corajoso, o ético, o desafiador de um país gigante como o Brasil. Não existe um problema ou uma questão histórica do Equador contra o Brasil, é uma questão eleitoral."

 

Na prática, o Equador, que não suspendeu os pagamentos das parcelas da dívida, argumenta que está aguardando a posição da Câmara de Comércio Internacional. Enquanto isso, os presidentes Correa e Lula já afirmaram que as relações bilaterais não devem ser afetadas por este caso.

 

Em 2008, a balança bilateral entre Equador e Brasil fechou com US$ 850 mil (aproximadamente R$ 1,86 milhão) de saldo para os brasileiros, que importam principalmente atum e doces industrializados, e exportam aparelhos celulares e maquinaria, segundo dados do Banco Central do Equador.

 

O Correa faz parte dessa geração de políticos neopopulistas, como a gente costuma dizer, junto com Hugo Chávez, Evo Morales e Nestor Kirchner. O problema do líder de esquerda é quando ele passa por cima de partido, Congresso e demais instituições representativas para chegar à população

Leonardo Barreto, cientista político e professor da Universidade de Brasília

 

Impasse com a Colômbia

Outra questão internacional pendente para o Equador é o gelo diplomático com a vizinha Colômbia, que já dura mais de um ano. A tensão foi desencadeada por um ataque do Exército colombiano a um acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que se encontrava em território equatoriano no dia 1º de março em 2008.

 

A iniciativa militar do presidente colombiano, Álvaro Uribe, foi considerada por Correa como uma violação à soberania do Equador; em resposta, a Colômbia acusou o vizinho de apoiar a guerrilha. Dois dias depois, Quito rompeu relações com Bogotá.

 

"É uma situação muito difícil", analisa Barreto. "Existe uma dificuldade de diálogo muito grande entre Correa e Uribe, a invasão criou um desconforto gigante, deu muita munição para o Correa capitalizar voto, mas não passa disso, porque a Colômbia é a maior potência militar da América do Sul, rivalizando com o Brasil, e ninguém é louco de enfrentar a Colômbia dentro de um conflito armado."

 

Os dois governos ensaiam passos para a reaproximação, mas cada qual reitera seu direito à soberania e à defesa nacional. A crise diplomática, no entanto, não repercute em outras áreas, como explica o professor equatoriano Sierra Freire: "No nível político existe ainda um impasse, as relações estão paradas. Mas no nível econômico e social, as relações estão normais, as atividades comerciais, os intercâmbios culturais, as relações sociais". A Colômbia responde hoje por quase 5% das exportações e 10% das importações feitas pelo Equador.

Nenhum comentário: