16 fevereiro 2009

Entrevista - Paulo Kramer (um dos melhores analistas do país!)


Embriões políticos


Data de Publicação: 14 de fevereiro de 2009
ENTREVISTA
PAULO KRAMER


Por Marcone Formiga

Não é por acaso que a política passou a ter cientista para estudar seus fenômenos e encontrar respostas para as muitas incógnitas na vida pública. Por que algumas lideranças fracassaram e outras foram vitoriosas? Qual o perfil que o eleitor brasileiro prefere para um presidente da República? O paternal, como Getúlio Vargas, o realizador e determinado como Juscelino Kubitschek, um instável como Jânio Quadros, um sociólogo como Fernando Henrique Cardoso ou um carismático como Luiz Inácio Lula da Silva?

Getúlio não conseguiu fazer um sucessor, em 1945, como também Juscelino, enquanto Jânio tentou o golpe da renúncia como manobra para se tornar ditador; Fernando Henrique não passou a faixa presidencial a José Serra... E Lula, conseguirá eleger a ministra Dilma Rousseff, que nunca foi testada nas urnas?

Para responder a questões como essas, o entrevistado da semana é Paulo Kramer, doutor e mestre em Ciências Políticas, especialista em análise da conjuntura brasileira.

– Com o PMDB no comando do Senado e da Câmara, isso pode dificultar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

– Visualizando 2010, a impressão que eu tenho, com os peemedebistas no comando das duas casas, felizmente, é da garantia de rotatividade no poder. Veja só uma coisa: o PMDB nunca vai em bloco na mesma direção para lugar algum. Por exemplo, o governador José Serra, potencial candidato à sucessão presidencial, dificilmente terá o apoio do presidente do Senado, José Sarney. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, está muito próximo de José Serra. Ao mesmo tempo, Sarney, com a autoridade de quem preside o Senado pela terceira vez, já faz o discurso, para os públicos externo e interno, de que Lula não aceita a hipótese de disputar um terceiro mandato consecutivo. O PMDB, com toda a sua diversidade e pluralismo, será a garantia de que a rotatividade no poder presidencial terá uma chance maior do que existiria se a configuração do poder nas Mesas fosse outra.

– Fernando Henrique, depois de oito anos no Palácio do Planalto, não conseguiu eleger o sucessor. O Lula conseguirá?

– As pesquisas divulgadas demonstram que o presidente Lula está bem próximo dos índices de aprovação que Sadam Hussein mantinha no Iraque, ao mesmo tempo em que José Serra lidera as intenções de voto em 2010. Não pretendo discutir, agora, a metodologia, se está certa ou errada, mas o raciocínio é simples: o povo brasileiro vem dando uma demonstração de maturidade impressionante, o que o leva a defender a rotatividade no poder. O fato de o eleitor apoiar o presidente Lula não exclui que esse mesmo eleitor resolva dar uma chance de renovação. O sociólogo Gilberto Freyre costumava afirmar que a verdadeira elite do Brasil é o seu povo. Muitas vezes o povo brasileiro me surpreende com essas demonstrações coletivas e sutis, silenciosas, de maturidade política. No imaginário popular isso se resume da seguinte forma: agora terminou a Era Lula e vamos dar uma chance a outro...

– E qual será o papel do Congresso Nacional nisso tudo?

– Acho que é preciso olhar um pouquinho para trás, concluindo que o Congresso brasileiro não é igual ao Congresso americano, que toma as iniciativas; mas o nosso não é meramente carimbador. O Executivo, que é o grande legislador do Brasil, encaminhando projetos de lei e Medidas Provisórias, que acabam sendo, de uma forma ou de outra, modificados ou transformados. Aproveito para lembrar um fato que serve como exemplo: há pouco mais de um ano, o presidente Lula queria porque queria que a CPMF continuasse, mas foi rejeitado no Senado.

– Mas o que isso tem a ver com a sucessão?

– Imagino, agora, o cenário de uma batalha pela reeleição, muito custosa principalmente em termos de recursos políticos, muito além do que aquela para renovação da CPMF...

– As pesquisas, claro, podem impressionar, inspirando uma perspectiva de poder para o candidato do Lula.

– Sim, as pesquisas impressionam, mas não podem levar à paralisação do Congresso Nacional nem da iniciativa dos seus líderes. O bom da representação é que ela não reflete como espelho, porque, se refletisse, não seria necessário escolher representantes. Naquele episódio da CPMF, o Senado concluiu que o governo já estava arrecadando demais, e decidiu dar um basta.

– Ou seja, é impossível que seja aprovada uma emenda permitindo sua terceira eleição?

– Não, não é impossível, mas eu acho isso improvável... Creio que o presidente Lula gostaria de fazer seu sucessor como forma de coroar um período bem sucedido, seria o grande e último ato dele. Mas acontece que, em política, os projetos, os sonhos, as perspectivas, sempre enfrentam a fricção do mundo real.

– A ministra Dilma Rousseff terá densidade eleitoral?

– Eu acho muito difícil a ministra se viabilizar a ponto de conquistar 30% das intenções de votos que, historicamente, foram de Lula, do seu patrimônio eleitoral. Isso estimula um profundo questionamento, até pelo fato de que, nas eleições municipais do ano passado, não foi isso que aconteceu, sem que o partido do presidente saísse vitorioso. Cada eleição é uma surpresa, porque são fenômenos muito específicos em si.

– O que o senhor vê no horizonte político?

– Que o José Serra é o candidato mais provável e muito competitivo, mas terá uma pedra no caminho, que se chama Minas Gerais, com a decisão do governador Aécio Neves, que parece determinado a entrar na corrida pela sucessão presidencial. Ele terá que ser convincente e levar Aécio a ter um novo projeto político, como o de se eleger senador e depois de quatro anos aspirar ao Palácio do Planalto. O Serra terá que unir Minas Gerais.

– Afinal, o Lula é um fenômeno político ou eleitoral?

– Trata-se de um dos maiores líderes de marcha que a história do Brasil já teve. Concordemos ou não com o pensamento dele e do Partido dos Trabalhadores. Trata-se de um líder carismático que tem uma grande carga de representação simbólica, ou seja, o pobre, semi-analfabeto, um retirante nordestino que chegou lá, em um país marcado por desigualdades e preconceitos. Eu só lamento que não tenha usado milímetro sequer dessa sua esmagadora popularidade para implantar as reformas que o Brasil precisa e que ficaram por fazer ao final da sua administração. Reformas como a da Previdência e também a Administrativa. Pior ainda: inchou os cargos da administração pública com companheiros petistas, cujo único mérito era fidelidade, militância... Não precisavam demonstrar competência!

– O que poderá acontecer?

– Coisas assim, petistas desesperados destroem os discos rígidos da Previdência Social. Isso é um escárnio, até porque os petistas sabem que são menores que o lulismo no imaginário popular. Existe o lulismo, mas não o petismo...

– Mas existe um excesso de idolatria do Lula, que vai além do Getúlio Vargas...

– Mas no tempo do Getúlio não existia a Rede Globo! Tudo bem que havia o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), órgão de censura e glorificação da ditadura e do ditador do Estado Novo. Muda a época, muda o estilo de liderança. Em sua carta Testamento, Vargas afirmava, para os seus ‘Trabalhadores do Brasil’: ‘Hoje, estais com o governo; amanhã, sereis o governo’. Nesse sentido, Lula é uma espécie de premonição do Getúlio Vargas, pronunciada quando a classe operária era um ator coletivo ainda em sua infância política, logo, coadjuvante.

– Por que o senhor insiste sempre em fazer um paralelo entre Lula e Sarney?

– Existe um paralelo, sim, entre os dois. O senador José Sarney perdeu a popularidade quando o seu Plano Cruzado começou a dar errado. Foi empossado presidente com a morte do Tancredo Neves, mas chegou ao Palácio do Planalto sem legitimidade, carregando o estigma de ter feito sua carreira política no governo. Foi da UDN, um partido de direita,depois ingressou no Arena, o partido dos generais golpistas, chegando a compor a chapa de Tancredo Neves quando os militares devolveriam o poder aos civis.

– Qual é a avaliação que o senhor faz do homem público José Sarney?

– Sarney tem a virtude de ser paciente, lembra até um budista do Nepal, sempre contemplativo, e raramente se irrita. Só quando é provocado. E foi graças a isso que conduziu ao porto da estabilidade política o barco da transição democrática. De uma forma ou de outra, o Sarney obteve êxito em sua missão. Resumindo, trata-se de um homem que foi condenado pelas pesquisas de opinião daquela época, mas que, na minha ótica de analista político, acabou sendo absolvido pelo julgamento de longo prazo da história.

– Já que o senhor vê um paralelo entre os dois, qual é a sua previsão do julgamento da história para o Lula?

– O presidente Lula tem que rezar muito, mas muito mesmo, para que o tempo confirme o resultado das pesquisas que o colocam em um pedestal sem precedente. Mas, sinceramente, não acredito que isso venha a acontecer porque, lamentavelmente, ele deixou passar o trem da história quando deixou de perceber que a sua grande popularidade facilitaria uma reforma abrangente no país, como toda a sociedade brasileira ansiava. Foram quase oito anos em que ele já estaria no ambiente propício para fazer surgir um país moderno e justo, pronto para emergir como uma potência. A história é sempre rigorosa para quem não ousa agir para mudar.

– Se a crise global for mais grave e predadora para a economia, esse patrimônio conquistado pela popularidade poderá ficar ameaçado?

– Pessoalmente, acredito que ele tem muita gordura para queimar de popularidade, e dificilmente chegará ao fundo do poço; pode até cair, mas não vai ficar na lona. A seu favor existe o efeito teflon, porque nada pega nele. Um exemplo bem expressivo disso foi o escândalo do Mensalão. Ele conseguiu, nesse e em todos os outros escândalos, transferir a responsabilidade para o Valdomiro Diniz, José Dirceu, Antonio Palocci, e até sobrou para a globalização e George W. Bush, para todo mundo, mas nada colou nele. Mas, faço uma ressalva, existe uma incógnita, que é o impacto político e social da crise econômica.

– Existe uma boa explicação para esse efeito teflon?

– A simbologia do miserável que virou presidente é forte, mas não explica tudo. Ele conseguiu construir uma rede de proteção social com o Bolsa Família. No Brasil, afinal, como um todo é muito coisa, convenhamos. Uma em quatro famílias está sendo beneficiada por esse programa social. Multiplicando tudo, o impacto eleitoral é muito significativo.

– Mas deve existir outro forte componente...

– Claro, existe, sim. De bobo o presidente não tem nada. Mesmo sem ter concluído sequer o primeiro grau, com muita argúcia percebeu o que muito economista heterodoxo da Unicamp não compreende direito. Ou seja, que o maior inimigo do pobre é a inflação. Nós, da classe média para cima, temos como salvar o nosso dinheiro da corrosão inflacionária. O pobre não tem essa blindagem protetora. Não foi por acaso que ele se manteve o tempo todo fiel à única linha que considera importante - a rígida política monetária do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Uma política, sem dúvida ortodoxa, que vem mantendo o controle da inflação, evitando que o dragão volte. Isso ele vai manter, de qualquer jeito, porque sabe que a inflação é o imposto mais injusto de todos...

– O Getúlio Vargas era maquiavélico, tinha “O Príncipe” como um manual de instrução. Lula pode ser maquiavélico sem ter lido Nicolau Machiavel?

– Minha praia teórica são o Max Weber, o Raymond Aron e o Julien Freund, considerados malditos pela esquerda. Costumamos afirmar que o maquiavélico não era Maquiavel; maquiavélica é a realidade de política. Se algum pecado esses autores cometeram, foi a de expor a vida política como ela é. O Lula, certamente, conhece a realidade do pobre que é ameaçado pela inflação alta. Também compreende a necessidade das pessoas, que, não importa a classe social, são carentes por uma certa afetividade, que, aliás, é muito própria do caráter brasileiro. Isso, em resumo, explica o seu êxito na vida pública.

– Como se explica o seu carisma?

- Isso nem Max Weber conseguiu explicar. Existe algo de misterioso. Por que, por exemplo, um líder é tão simpático e outros antipáticos? Não caem no gosto do povo, que se identifica mais com os carismáticos.

– Mas a impressão que se tem é que ele gosta mais da liturgia do poder...

– É uma pena que o Brasil não seja parlamentarista, porque, como chefe de Estado, seria possível reelegê-lo muitas vezes, ficando o trabalho pesado com o primeiro-ministro, ou uma primeira-ministra; por que não? Mas, convenhamos, o Lula não é homem de botar a mão na massa.

– O José Serra não é simpático, mas está na frente das pesquisas como candidato preferido em 2010. Também não existe explicação para isso?

– Ele, hoje, é o homem público mais preparado do país. Ele é beneficiado pelo recall, com sua participação na corrida presidencial de 2002. Até mesmo no Nordeste, região de origem do Lula, onde tem a maior concentração de pessoas beneficiadas pelo Bolsa família, ele está muito à frente da Dilma Rousseff. Mas na dianteira de Lula ninguém chegou.

– Por que a escolha da ministra Dilma Rousseff para sucedê-lo?

– São duas razões. A primeira, por falta de opção, na medida em que todas as estrelas do PT foram caindo. Caiu José Dirceu, Antonio Palocci, José Genoino, Marta Suplicy... Isso abriu uma possibilidade para ele, impondo a Dilma goela abaixo do partido. A Dilma ainda não foi digerida totalmente pelos companheiros, porque não é uma petista histórica. Ela era do PDT, sem militância com os companheiros do PT. Tem uma formação executiva, sem dúvida, é muito operacional também. Começou como secretária de Energia, no Rio Grande do Sul, e depois como ministra de Minas e Energia, no governo do Lula, para então se instalar no quarto andar do Palácio do Planalto como a poderosa chefe da Casa Civil. Ou seja, é uma criatura política do Lula.

– O Ciro Gomes simplesmente foi ignorado. O que aconteceu?

– Sem dúvida nenhuma o Ciro Gomes é um político de grande capacidade administrativa mais do que comprovada. Mas seu grande problema é que costuma tropeçar na língua, tem incontinência verbal. Em política, muitas vezes, é melhor falar pouco e ouvir muito.

– Mas ela irá viabilizar a candidatura?

– Pelo que se vê, ela tomou gosto e está determinada em viabilizar sua candidatura. A minha dúvida é a seguinte: será que vai dar tempo? Ficar conhecida não é problema, com a televisão chegando em todo país. Basta aparecer no Big Brother, por exemplo, para alguém, de anônimo, passar a ser celebridade nacional. O que ela precisa, e logo mesmo, é se viabilizar politicamente.

– Qual foi o maior erro e o maior acerto do Lula nesses seis anos?

– Vou insistir em um ponto: não ter usado a sua popularidade para promover reformas essenciais na estrutura do país. Quanto ao acerto, foi manter a política econômica de fernando-malanismo, (Fernando Henrique e Pedro Malan). Foi seu grande acerto, porque ele poderia ter se influenciado pelos companheiros e chutar a política econômica que vinha dando certo. Em um cenário de inflação alta, o Bolsa Família viraria pó na mão de quem é hoje beneficiado. Sacaria o dinheiro em um caixa eletrônico e pronto, o dinheiro acabaria logo!

– Getulio Vargas e Juscelino Kubitscheck foram os grandes líderes do século passado. Como o senhor os sintetizaria?

– Getúlio Vargas tem um papel importante na modernização do país, colocando-o em sintonia com o século XX. Isso, com a Revolução Industrial, a questão social. Já o Juscelino demonstrou aos brasileiros que era possível superar o complexo de vira-lata, como dizia o Nelson Rodrigues. Naquele momento, nos anos 50, com seu estilo pujante, Juscelino nos levou a acreditar que éramos capazes de grandes realizações. Aqui está Brasília, a indústria automobilística, a interiorização do país... Ele fez o país passar a ser uma nação moderna, removendo a fuligem do passado.

– Lula chegará a esse nível?

– É muito cedo para julgá-lo.

– Faz sentido festejar os 20 anos da Constituição de 1988?

- Aquilo foi o maior despacho de macumba que se fez na maior encruzilhada do mundo, que é a Praça dos Três Poderes... Tudo quanto foi lobby ou corporação enxertou seus desejos e ‘direitos’ no texto, mas faltou PIB para bancar tantos sonhos.

“As pesquisas divulgadas demonstram que o presidente Lula está bem próximo dos índices de aprovação que Saddam Hussein mantinha no Iraque, ao mesmo tempo em que José Serra lidera as intenções de voto em 2010. O fato de o eleitor apoiar o presidente Lula não exclui que esse mesmo eleitor resolva dar uma chance de renovação. O sociólogo Gilberto Freyre costumava afirmar que a verdadeira elite do Brasil é o seu povo. Muitas vezes o brasileiro me surpreende com essas demonstrações de maturidade”

“Getúlio Vargas tem um papel importante na modernização do país, colocando-o em sintonia com o século XX. Isso, com a Revolução Industrial, a questão social. Juscelino demonstrou aos brasileiros que era possível superar o complexo de vira-lata, como dizia o Nelson Rodrigues. Naquele momento, nos anos 50, com seu estilo pujante, Juscelino nos levou a acreditar que éramos capazes de grandes realizações. Aqui está Brasília, a indústria automobilística, a interiorização do país...

”Eu acho muito difícil a ministra Dilma se viabilizar a ponto de conquistar 30% das intenções de votos que, historicamente, foram de Lula, do seu patrimônio eleitoral. Isso estimula um questionamento, até pelo fato de que, nas eleições municipais do ano passado, não foi isso que aconteceu, sem que o partido do presidente saísse vitorioso. Cada eleição é uma surpresa, porque são fenômenos específicos em si. O José Serra é o candidato mais provável e muito competitivo”.

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